segunda-feira, 29 de outubro de 2007

LEITE, SEGURANÇA PÚBLICA E OS CONSELHOS DE MINHA AVÓ. (Samuel Rangel)

Lembro-me com alguma clareza quando minha avó, percebendo que havíamos nos intoxicado com a tinta que usamos para pintar a casa, disse: “beba um copo de leite meu neto”. E realmente funcionou. O leite realmente cortava o efeito tóxico da tinta.

Mas o tempo passou, e fico pensando que agora, com o leite que andamos bebendo, se eu ligar hoje para a minha avó, ela poderá me mandar tomar um litro de tinta para cortar o efeito do leite.


O leite é agora caso de segurança pública.

Falando em segurança, e lembrando de tinta, são dias bem esquisitos estes que atravessamos. Não me recordo em minha infância da figura das Empresas de Segurança. Lembro-me apenas dos vigias noturnos, que andavam com seu cassetete de imbuia e soando seu apito. Atualmente, em tempo de empresas como Impacto e Centronic, a sorte é não encontrar com a segurança.

A verdade é que ganha dinheiro quem sabe interpretar a necessidade, e fica milionário quem cria a necessidade. Quem sabe possamos agora criar uma Empresa de Insegurança. Venderíamos o serviço assim: Se a Segurança bater a sua Porta, Ligue para Insegurança Total Ltda. Nós acabaremos com a segurança.

Segurança nem deveria ser coisa privada, pois deve ser garantida pelo Estado. Mas como mais da metade da população encontra-se nos limites da miséria, e não tem muito “o que ser roubado”, o Estado entende que pode cortar o efetivo da polícia, as viaturas, e os salários pela metade.

Sem contar que hoje, ao ligar para o 190, as coisas funcionam como um 0800 daqueles que irrita qualquer um. Falta pouco para chegarmos ao tempo em que o 190 atenderá assim.

- Boa Noite. Sua ligação é muito importante para nós. Em breve estaremos atendendo a sua ligação. O tempo de espera previsto é de cinco minutos. Para acelerar o seu atendimento, disque 1 para casos de urgência, disque 2 para outros casos.

Você esta ali com o ladrão tentando arrombar a sua porta e desesperado disca o número 1.

A voz do outro lado diz:

- Aguarde.

E coloca uma música de sala de espera de consultório de odontologia para tocar. Um minuto depois, quando o ladrão já conseguiu arrombar a porta, a maldita voz fala:

- Disque 1 para homicídio, 2 para assaltos, 3 para seqüestro.

Você disca o dois.

A voz fala então:

- Disque 1 se o assaltante esta armado com revólver, disque 2 se o assaltante estiver armado com pistola, dique 3 se você não sabe a diferença. Em breve um atendente irá lhe dar as instruções necessárias.

O assaltante acaba de arrombar a porta, entra na sua casa. Como ele sabe que a polícia não vem ele nem manda você desligar o telefone. Ele começa a carregar seu DVD, sua TV de plasma, e você ali, ouvindo aquela musiquinha no telefone.

Após algum tempo, que você digitou o 1, mesmo não sabendo se era revólver ou não, aquela maldita voz vem com mais uma opção:

- Digite um se o assalto esta em andamento, digite 2 se o ...

Você perde a paciência. Atira o telefone na parede. O aparelho ricocheteia na parede e vai de encontro à moleira do assaltante. Quando você percebe, o cara esta sem pulso estendido na sala do teu barraco. Você então percebe que por causa da sua raiva com a polícia, você matou o assaltante.

O pior é que quando o telefone deu no meliante, o policial atendeu do outro lado da linha e mandou uma viatura equipada com super-espaço (aquela super velocidade do filme Star War). Antes mesmo que você conseguisse começar a massagem cardíaca no assaltante sem sorte, uma “Tropa de Elite” entra na sua casa e registra o caso como Homicídio Qualificado.

Por quê?

Você matou um cara por causa de um DVD e uma TV de Plasma.

É conduzido à delegacia e jogado na cela do Ditão do X4, que tem dois problemas: Um apetite sexual insaciável e uma má formação congênita. Após quatro horas de luta corporal para manter sua dignidade, o negão vence.

Então alguém chama você para prestar seus esclarecimentos. Você fala para o delegado que estava sendo assaltado, sem poder sentar. O Delegado te pergunta por que você não ligou para a Polícia. Você informa que ligou. Como agora é tudo integrado, o delegado liga para a Central para saber do registro. O registro não é encontrado por que você não esperou a ligação ser finalizada.

Mas as coisas vão melhorar para você.

Chega então um advogado amigo do delegado, bem penteado, com um terninho de primeira, e pede sua casa, seu carro e a TV de plasma como honorários.

Antes que você possa dizer não, o Ditão acena de dentro da carceragem. Você aceita os honorários e ainda oferece um DVD para que ele seja mais rápido. Quando acaba o fôlego do Ditão, chega à Delegacia um Oficial de Justiça com um Alvará de Soltura.

Você pensa que está livre? Não senhor. Você esta sem carro e tem que pegar uma carona com o advogado. Quando esta na frente da Delegacia chega a imprensa policial, e entre tapas e encontrões filma a sua cara.

No dia seguinte sai no “programinha de quinta categoria”:

Homem mata por causa de um DVD e de uma TV de PLASMA. Coloca na tela.

E lá esta a tua cara. O advogado então te liga e diz que conhece o repórter. Se você quiser que ele dê uma aliviada, ele pode dar um jeito. Depois de matar um porco e um boi para dar ao o repórter no dia seguinte sai no programa a seguinte manchete.

- Homem que morreu por causa da TV de Plasma já tinha antecedentes.

Mais uma galinha no dia seguinte e então vem a notícia certa.

- A polícia descobriu que o homem que matou por causa da TV de Plasma estava sendo assaltado pela vítima.

Agora acabou seu sofrimento?

Não. Agora é hora de você ligar para o teu chefe e tentar reaver o seu emprego. Agora você tem que ligar para os seus conhecidos, tentando explicar o que aconteceu. E por último, esta na hora de você ir buscar sua mulher na casa da mãe dela. Opa. Você não tem mais casa. Vai ter que pedir para morar então com aquela jararaca, tentando-a convencer de que você não é violento, não vai bater na filha dela. Com muita paciência você conseguirá explicar para ela que o telefone ricocheteou na parede. Foi azar.

Conseguiu?

Ótimo. Então beba um copo de leite quente e vá dormir.

Ou melhor...

Não tome leite e não contrate segurança privada.

Um comentário:

Lili Marlene disse...

É impressão minha ou Curitiba, "a capital ecológica do Brasil", a melhor cidade do país para se viver, transformou-se, de uma hora para a outra, no Rio de Janeiro?
Ou será que é a violência que sempre existiu aqui e que sempre foi muito bem escondida em baixo do tapete pelo governo e pela mídia que insite em aparecer?
Você tem razão, quando eu era criança segurança só existia no banco e em novelas. O resto eram os guardiões da rua que passavam de hora em hora apitando.
Bjo