quarta-feira, 12 de novembro de 2008

NÃO É TEMPO DE VEEMÊNCIA (Samuel Rangel)



Quem sabe sejam os últimos ares de meus pulmões, ou mesmo as últimas palavras que nem tenho fôlego para dizer. Mas talvez os anos se passem longos e muitos para mim, e eu possa se rir de muitas outras bobagens minhas. Quem sabe? E nem mesmo eu sei? Apenas sinto algo que me desconforta diante de tanta idiotice que me assola. Essa idiotice, ora de minha infância graciosa, ou mesmo dos grisalhos que me enchem de qualquer razão barata, ora destes olhos magistrados que me julgam com ironia diante da fragilidade que minha segurança tenta esconder.
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A verdade é que não sei, e quem sabe ... Quem sabe?
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Do pouco que se pode saber resta esse amargo nos olhos, o cheiro do sal, e esse perfume que ouço nos ares que as mãos deslocam enquanto a garganta brada em silêncio o desgosto de uma multidão de infelizes.
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Quem sabe?
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Quem sabe não tenham percebido que a soberba e a cátedra estejam fora de moda, e que não é tempo de veemências, apesar de tantas faculdades que se espalham pelas quadras das cidades, de muitas falácias e poucos saberes. Apenas os tolos andam por aí com pregações em punho. Os sábios andam calados e moribundos, e isso me assusta. Parece que desistiram de dividir seus lampejos de sapiência conosco. Eu estranho que eles , que tanto falaram contra essa fome de consumir coisas, tenham desanimado diante do fato de ninguém mais querer comprar suas idéias.
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Quem sabe?
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Acho coisas que não procuro e delas me enalteço e me sensibilizo. Não preciso olhar muito além de minhas janelas semi-cerradas que quebram as luzes que tentaram entrar nas manhãs de minha vida.
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Quem sabe?
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Esse selo que aperta as cortinas contra luz, talvez seja fruto de minha pouca força para enxergar algumas realidades. Justamente a luz que hoje esse televisor derrama no meu quarto, enchendo-o de pouca coisa, muitos alardes de pouco ruído. Esse televisor que hoje me mostra corpos de adultos e crianças com se fossem a mesma coisa. Esse televisor que insiste em gastar tanta energia com a mais barata das dramaturgias, transformando um romance de dois belos rostinhos na parte principal de uma história enrolada, sem fim, e com palhaços sem maquiagem ou nariz vermelho.
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Eu não sei, e nem mesmo sei porque estou falando, ou mesmo se deveria estar falando. Minhas próprias tolices,
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Apenas sei que elas não deveriam ficar aqui dentro.
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Quem sabe?
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Acho que das poucas coisas que posso dizer, resta-me apenas a idéia de questionar, como forma de ser mais humano, menos alienado, menos parte desse gado em confinamento.
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E se não fizer sentido a você que não me ouve agora, eu poderia entender diante do único fato verdadeiro que posso bradar com absoluta veemência, embora não seja seu tempo.
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Seu olhos e os meus não andaram juntos a petiscar as cores das mesmas coisas, do azul do mar ao vermelho sangue. Da cor preta da cegueira ao branco que se traja antes do luto.
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Nem mesmo foram as mesmas melodias que embalaram ou que espantaram nosso sono.
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Não mordemos as mesmas frutas, e nem passamos a boca pelas mesmas bocas, procurando histórias de amor ou mesmo tentando fugir de alguma outra história.
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E essas mãos. Quem sabe? Nem eu mesmo sei contar a história de minhas mãos, mas quem sabe alguma memória celular, como aquelas que dizem alguns cientistas, seja hoje justamente o motivo desses dedos cansando ficarem tão ávidos sobre as cordas.
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Quem sabe alguma palavra de maior profundidade, que nem entendo, que canto com mais fôlego, e faço parceria com esse pedaço de madeira morta que as cordas devolvem à vida.
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Não sei.
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Quem sabe?
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Pergunte a esse violão parceiro.
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E se não fizer nenhuma lógica a você, fique feliz, pois significa que tudo está dentro da maior normalidade. Esta normalidade de nenhum sentido e de pouca lógica.
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Sentidos? Quem sabe?
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Talvez sejam a única verdade que não nos trai e não nos abandona. Os sentidos não nos traem. Quem nos trai são esses pensamentos que brincam com os sentidos. .
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Pois não é tempo de veemências.

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