segunda-feira, 3 de março de 2008

PIZZA SOMBREIRO, TRÊS CERVEJAS E A SOLUÇÃO PARA O CRIME ORGANIZADO (Samuel Rangel)

Domingo, e o amigo que faz aniversário pede a presença do meu violão. Como amizade é coisa cara, não se deve negociar tal presença, mas como já havia cantado no sábado, usei a tática do atrasado. Deixo todos se cansarem durante duas horas de espera e depois chego com ares de salvador da festa.

Quando entrei no bar, deu tempo de pegar alguns pedaços da Pizza Sombreiro, com pelo menos cinco dedos de altura em função do excesso de cobertura. Violão no colo, não precisou mais de três músicas para que esquecessem de mim. Então fui baixando o volume de violão até me permitir o silêncio.

Em silêncio comecei a coletar material para este blogue. Os bares tradicionais de Curitiba não nos deixam sem motivos para despejar letras no Word.

Numa mesa ali, um casal não consegue esconder que está em crise, mas acho que crise de casal é coisa muito comum para ocupar as páginas deste blogue, exceto aquelas onde ocorre o flagrante da traição. Daí o assunto deixa de ser crise de casal para virar reações explosivas do Ser Humano.

Pensei em escrever sobre o Eloy, garçom que já faz Bodas de Prata com a noite de Curitiba. Este é um assunto ao qual pretendo me dedicar, mas como Eloy merece um grande texto, julgo-me ainda despreparado para escrever sobre o “Herói da Noite”.

Busquei tanto e todas as mesas que me esqueci de olhar para os próprios amigos. Para ser bem sincero, essa minha turma lembra muito uma projeção no tempo da turma do Cebolinha, somada aos outros personagens de Maurício de Souza, porém, entre os quarenta e cinqüenta anos. Uma verdadeira comédia urbana.

Quando voltei minha atenção para a minha mesa, o texto surgiu gratuito e simpático.

Sei que muitos acham que papo de boteco para homem, se resume às curvas das mulheres, carros, futebol e outras amenidades. Sim, eu não seria tolo de tentar alegar que tais assuntos não são freqüentes na mesa do bar, mas exatamente por serem normais, deixariam de merecer registro. O que realmente é digno de registro, são os assuntos inusitados, as filosofias ousadas, e as soluções para os problemas do mundo.

E a seção “vamos salvar o Brasil” apareceu ontem.

Depois da segunda cerveja, percebi claramente que um assunto se apoderou da conversa: Qual a solução para o Crime Organizado?

Como jargões são mais fáceis, aqueles que já viravam o taxímetro marcando 3 horas de boteco, vez por outra soltavam as máxima: a) Bandido bom é bandido morto; b) Equipar decentemente as polícias; c) adoção do “Tolerância Zero”; d) Mandar prender os advogados (neste momento me veio um nó na garganta); e) Investimento no Judiciário.

Ali, naquele papo de boteco, eu pude ver exatamente o que acontece com o estado tentando resolver o problema do Crime Oganizado.

Primeiro por que, embora o assunto dominasse a mesa, no fundo no fundo os debatedores estavam mais preocupados é com a demora da cerveja, com a caipirinha que veio com o limão com casca, e é lógico, vez por outra, deixavam o assunto de lado e contemplavam silenciosos o terço posterior da moça de vestido de verão que ia ao banheiro para retocar a maquilagem.

Esse desvio do foco é perceptível também na política criminal adotada pelo, pois o poder executivo, assume o poder e leva um ano para se acomodar na cadeira. No segundo ano, ajeita a máquina de acordo com os seus interesses. No terceiro, programa soluções para os problemas sociais. No final do terceiro ano, quando vai começar a mapear as soluções, tentando colocar em prática algum projeto, é interrompido bruscamente, pois já está na hora de pensar na sucessão para as próximas eleições.

O segundo ponto em onde encontrei semelhança, é que exatamente pelo fato do assunto provocar tantas interpretações diferentes, não há um só maestro que afine essa banda.

O terceiro e último, é que realmente tanto os “botequeiros” quanto o Estado, hoje se sentem menores que o crime organizado.

Então, já com o violão ensacado e pronto para vir embora, uma daquelas luzes de néon que dá brilho ao letreiro do boteco, iluminou esse meu pensar. Não sei se em função de tomar o primeiro gole da terceira cerveja, ou por que os deois pedaços da pizza me haviam feito relaxar.

Vejo o Estado meio atordoado, tentando organizar operações para desestruturar o crime. Exatamente aí é que está o erro. A solução para o crime organizado é simples.

O Crime Organizado vai acabar quando o Estado organizar o crime.

Exatamente!

Uma medida corajosa, mas extremamente eficaz. O Estado deve infiltrar administradores e profissionais de todas as áreas no crime organizado, exatamente com a intenção de que eles organizem o crime, como fizeram com o Estado.

Você pode até indagar achando que isso realmente é uma idéia de boteco, mas como nosso país é administrado com o mesmo zelo do Bar Barroca, está aí a solução sim.

Imagina só algumas situações:

1) Questões administrativas – Com o crime organizado, teremos então a Tesouraria, o Almoxarifado, como teríamos também o Contas a pagar e o Contas a receber. Aí teríamos infiltrado um verdadeiro TROJAN no Crime Organizado.

2) Compra de Armas – o Morro precisa de armas, faz licitação. Com certeza alguém iria tentar um superfaturamento, e com armas custando o dobro do preço, o moro teria a metade de armas.

3) Burocracia 1 – O Soldado do Morro do Sagüi Vermelho de Orelha Azul, para não deixar a polícia subir o morro, ia ter que pegar no batente uma hora antes, pois teria que passar no almoxarifado e pegar munição. Teria que preencher o requerimento em quatro vias azuis, dizendo o motivo, justificando todas as outras munições que havia gastado, e colocando a turma em que concluiu o curso de tiro.

4) Questões Trabalhistas – Com o crime organizado, os Chefões do tráfico teriam que registrar seus funcionários. Isso significa dizer que eles também teriam que comparecer com freqüência ao Fórum Trabalhista para se defender nas ações canibais que a CLT rege. Quando esles descobrissem o quanto custa um funcionário, teriam que reduzir o quadro para reduzir despesas. Sem contar que, a cada condenação da Justiça Trabalhista, menos armas e menos crime nas ruas.

5) Burocracia 2 – Com a organização, os Criminosos teriam que tomar decisões administrativamente corretas, como por exemplo decidir de onde comprariam o próximo carregamento. A tesouraria teria que ver a disponibilidade em caixa e preencher o memorando. O Almoxarifado teria que ver a possibilidade de armazenamento. A Logística teria que analisar os custos de transporte. E o conselho do morro teria que fazer uma reunião de um mês para decidir qual a melhor estratégia. Pronto, como no filme Independence Day, o vírus foi entregue.


Imagina só o Crime Organizado, tão flexível, falível e lerdo quanto o estado.

Imagina o Crime Organizado pensando em reduzir seu quadro de funcionários para reduzir custos, e sofrendo o mesmo tipo de achaque que sofrem os empresários do ramo direito do mercado.

Tenta imaginar o Crime Organizado perdendo tempo com estas questões, e veja seu fim chegando.

Sei que pode parecer uma solução um tanto ousada, ou mesmo que alguns podem achar que isso é fruto da terceira cerveja (outros vão achar que foram bem mais), mas na realidade é tão (ou mais) adequada e eficaz quanto as soluções que hora se tentam dar a esse problema.

Pense nisso.

Em tempo: Esqueci de colocar o que é de máxima importância. A filosofia administrativa que deve ser implantada neste projeto, para dar certo, deve ser a mesma do poder público, tornando o Crime Organizado o espelho dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Parece que consigo até imaginar a votação do orçamento do morro para o ano que vem, a greve dos fogueteiros, os escândalo da carga superfaturada, e mais ainda, o morro tendo que pagar as despesas dos cartões corporativos dos gerentes das bocas de fumo.