quarta-feira, 23 de abril de 2008

FÉ DEMAIS, MIL BALÕES E UMA IDÉIA DE JERICO (Samuel Rangel)




Quem foi que teve essa idéia?

A autoria desse plano não pode passar em branco. Tão importante quanto o esclarecimento de casos gravíssimos, é de se apurar quem foram as sumidades que colaboraram para a execução desse plano “elogiável”.

Quem foi o primeiro a pensar na idéia? Alguém deve ter dito: vamos pegar um Padre, pendura-lo em mil balões, solta-lo em Paranaguá e ir buscá-lo no Mato Grosso.

Mas claro que um plano desses precisa de planejamento. Alguém deve ter dito: eu tenho cento e quarenta e seis reais, e posso comprar os balões. Lá no fundo da sala alguém deve ter dito: o primo do namorado de uma tia minha, trabalha com cilindros de gás. E aquela moça que não faltava uma missa deve ter arrematado: Eu tenho lá em casa bastante fio de nylon.

Pronto. Está planejado!

Lógico que não foi assim. O planejamento envolvia material de última geração. Um GPS, um telefone via satélite, roupas térmicas, cadeira flutuante, e mais uma porção de coisas.

Perfeito!

Perfeito? Nada. Estava anunciada a tragédia.

Excelente a idéia de munir a aventura com um GPS, mas alguém poderia ter feito a gentileza de ensinar o padre a usar o equipamento. Quando ouvi no fantástico o padre pedindo para a repórter, que se comunicasse com a equipe, para que alguém o ensinasse a operar o aparelho, percebi que a história não acabaria bem.

Quanto ao telefone por satélite, perfeito, só que alguém poderia ter lembrado de carregar o telefone inclusive com uma bateria extra. Quanto às roupas térmicas ótimo, mas existem diferenças de roupas térmicas de altitude e aquelas próprias para água? A cadeira flutuante também foi uma idéia e tanto, pois ajudaria demais com as ondas de mais de seis metros que quebravam em alto mar.

Então, no domingo chuvoso largaram o Padre através de um estilingue invisível rumo ao céu, literalmente. E lá foi ele, voar por cima das nuvens. Uma pena que ninguém tenha se ocupado de analisar a espessura dos alto-cúmulos que se formavam. Que me perdoem minha "língua de sogra", mas se a intenção era voar com balões de festa de criança, ao menos não seria prudente esperar um céu de brigadeiro?

E sei que os comentários aqui confessados, poderão despertar críticas dos defensores deste projeto mirabolante.

Pois bem. É de se imaginar a reação do piloto do Boeing cruzando com mil balões e um padre pendurado, e o risco desnecessário a que se colocou o próprio padre e outras vidas também.

Na primeira notícia veiculada sobre o fato, o padre revelava estar a uma altitude de quase seis mil metros, e segundo a matéria, o dobro da altitude em que deveria estar. Isso bastaria para demonstrar a falta de planejamento. Mas o que é mais gritante, é que os balões que deveriam ser estourados para o pouso tranqüilo no Mato Grosso, aparecem flutuando nas águas que circundam Florianópolis. Um pequeno erro de cálculo, absolutamente compreensível nessa época de pouca tecnologia.

E agora, com o que se gasta em gasolina nos barcos da marinha, nos aviões e helicópteros que realizam as buscas ao padre, poderia construir muito bem mais uma estrutura daquela que o padre sonhava realizar.

Não se quer questionar o quanto louvável era a intenção do plano, e nesse sentido o que realmente deu certo, é que, se a intenção era levantar a causa da pastoral rodoviária, hoje ela é conhecida no mundo inteiro. Tanto é verdade que recebi um e-mail de um amigo português destilando a vingança mais que merecida: “Paripa. Pois, Pois. E depois os brasileiros ficam a dizer que cá nós os portugueses é que somos burros. Mas pá. Pois, Pois.”

Esperamos que esse Padre seja encontrado com vida, primeiro pela condição humana, mas num segundo momento, para tentar esclarecer e apontar todos os partícipes desta idéia de Jerico.

As perspectivas não são boas.

E não faltam aqueles que fazem piadas da tragédia, dizendo que se o padre queria ver Deus, está agora falando com ele de pertinho. Aliás, se assim é, é de se imaginar a chegada do padre no Céu. São Pedro chacoalhando a cabeça em reprovação, uma porção de anjos cochichando no canto e deixando escapar algumas gargalhadas não contidas.

Mas o realmente desperta a imaginação, é a pergunta do Grande Mestre: “Ok. Tudo bem. Mas me diga de onde você tirou essa idéia?” Não adianta ter tanta fé e não saber operar o GPS.

Quem sabe daqui alguns anos, tal qual no filme “O Náufrago”, estrelado por Tom Hanks, o padre seja resgatado em uma das ilhotas do Atlântico Sul, de barbas e cabelos longos, falando com cerca de mil Wilsons, “interpretados” agora por balões de gás em lugar de uma bola de vôlei.

Mas como o alcance da manifestação tomou proporções mundiais, acho que nessa minha batalha em prol da arte paranaense, acho que vou repetir o “quase feito”.

Lógico que minha sogra vai sugerir uma cota extra de balões: “Meu genrinho querido. Vai com dois mil balões para ter mais segurança”. E o GPS que vão me dar estará com pilhas fracas. O Telefone será um celular analógico, um PT500, daqueles que você carregava 3 dias para poder falar cinco minutos, isso por ter uma bateria Tarja Verde.

Pronto. Já me vejo subindo, enquanto o povo comemora com fogos de artifício. Alguns parecem ser mirados propositalmente na minha direção. Já estou até vendo, o povo ali, ficando cada vez menor. Até consigo ouvir alguém gritar: “Pode acender o fogo que vamos começar a festa.”

Pensando bem ...

Perdão, mas não posso deixar de concluir com a única frase que me vem à cabeça.

QUE GRANDE IDÉIA DE JERICO!
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Aos mais ousados, vai um conselho:
"A FÉ REMOVE MONTANHAS, MAS NÃO ENSINA A OPERAR UM GPS."
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Minutos após escrever esse texto, a minha amiga Lorena me chamou no MSN e escreveu: VOCÊ NÃO VAI PARA O CÉU!
Então respondi:
Vou, mas só se for pendurado em balões.

MÚSICOS DE BOTECO DE CURITIBA (Samuel Rangel)

Vamos chamar à realidade.

O músico de boteco, esse herói anônimo que se senta num baquinho sobre um palco discreto, todas as noites, submetendo-se à conversa do bêbado, aos tratos nem sempre gentis do dono do boteco, respirando toda a fumaça de cigarros que uma multidão acende, merece o devido reconhecimento. Quem sabe por ter vivido ao longo de tantos anos nessa posição, preocupa-me demais a condição destes batalhadores. Mas não quero com isso, martirizar aqueles que escolheram esta profissão, pois qualquer atividade profissional possui os prós e os contras.

O que se pretende apenas é chamar a atenção para o talento destas pessoas que tanto se dedicam. Exatamente da mesma forma que propomos uma valorização do teatro paranaense, é extremamente necessária uma justa promoção da nossa cultura musical.

Músicas de alta qualidade, compostas e interpretadas por bandas ou cantores solos, que realmente deveriam alcançar repercussão em nível nacional, acabam amarelando e sendo esquecidas pelo descaso com que tratamos os nossos artistas.

Outro aspecto que deve ser levado em conta, e que o curitibano deve saber, é o quanto do “couvert” artístico é repassado ao músico, e quanto efetivamente é recolhido pelos donos de bar. Em relação ao equipamento necessário para uma boa execução musical, qual a compatibilidade de instrumentos caríssimos com o repasse efetivamente realizado pelos “Donos de Bar”.

Em um terceiro aspecto, não menos importante, é o quanto um músico é obrigado a se submeter a uma infinidade de músicas enlatadas, despachadas para cá direto de Goiânia, Salvador, São Paulo ou mesmo Rio de Janeiro.

Quem não conhece um caso de um músico que desistiu de sustentar uma qualidade musical, exatamente em busca de uma mínima dignidade pelo aspecto financeiro.

Da próxima vez que estiver tomando uma cerveja, quando os olhos passarem pelo palco, tente relembrar destas questões, e comungue desta causa.