segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O PROCESSO DA CRIAÇÃO (Samuel Rangel)



Tenho passado por um momento de uma inspiração ímpar, onde músicas e letras parecem ficar em fila esperando a hora de ir para a pauta. Textos novos para teatro vão surgindo de forma intensa. Até o nanquim que andava abandonado voltou a riscar o papel. Lógico que o fato de estar inspirado não significa que tudo isso que ando fazendo tenha toda a qualidade do mundo, mas sem dúvida carrega um conteúdo artístico capaz de emprestar sentido aos sentimentos que lhe dão causa.

Lembrei-me então que a minha amiga e psicóloga Juliana Portilho, está realizando um estudo sobre o processo de criação artística, e acho que de certa forma este texto poderá lhe ser útil de alguma maneira (nem que seja para descobrir que preciso de tratamento).

Outro fato que me fez decidir por levar este texto a termo, foi o encontro ontem com Reinaldo Godinho no Beto Batata onde compareci por convite de Ítalo para comemorar o aniversário de sua filha.

Reinaldo é o músico que toca aos domingos a tarde. Ao final de seu show, ofereceu-nos sua coleção de discos, quatro ao todo, com doze composições em cada um. Com sua gentileza e sensibilidade de sempre, o Ítalo comprou todos e começamos então a analisar a arte deste talentoso músico curitibano. Inclusive fiz o convite para que Reinaldo Godinho venha a atuar em uma das peças que vão para o palco neste ano.
Pensando ali, em tanta arte, tão gratuita, lembrei-me de ter escrito a frase “Artistas são mineiros de sentimentos, solitários desbravadores, que se embrenham pelas minas da alma em busca de pepitas de vida. Quando as encontram, voltam à superfície para mostrar ao mundo o que encontraram.”
Abstraindo-se agora de qualquer pretensão artística ou poética, esse texto tem única e exclusivamente a intenção de relatar como tenho percebido em mim todo esse processo de criação artística (ainda que considere pretensão chamar o que faço de arte).
Ainda que a música e as demais artes envolvam muito a técnica, falo aqui mais da parte que não envolve a técnica, ao exemplo dos versos de português equivocado do repentista, ou mesmo do músico que aprendeu a tocar violão sozinho com uma afinação desconhecida (muito comum na viola caipira). Ainda assim, o resultado e a sua manifestação sempre serão considerados por mim como arte.
Percebi que a criação se divide em alguns momentos, os quais denominei e organizei da seguinte forma.
INSPIRAÇÃO – Fator exógeno que motiva o autor, despertando nele o sentimento com aptidão artística.

OBJETO DA INSPIRAÇÃO

Quem sabe a parte mais democrática da arte seja exatamente o que motiva a inspiração. Pode ser uma pessoa, um objeto, um fato, um sentimento, ou até mesmo a falta dele.

Para trazer o conceito clássico, quando a inspiração surge de uma mulher, temos a musa, mas é interessante saber que a inspiração pode vir de um filho, de um amigo, ou mesmo de uma pessoa que nem conhecemos.

Quantas não foram as músicas inspiradas no mar, no amor e em tantos outros substantivos materiais ou abstratos?

Importante saber apenas que o alvo da inspiração é observado pelo autor, de forma tal que ele necessita externar o sentimento que a inspiração lhe provoca.

OPORTUNIDADE

A oportunidade é o momento em que o autor observa o objeto da inspiração por um novo prisma, um novo enfoque, ou degusta a observação de uma forma diferente da de costume, destacando um determinado detalhe ou qualidade do objeto que inove o conceito em relação ao objeto da inspiração.

Esta oportunidade possui fatores exógenos, que decorrem de uma série de elementos de espaço, tempo e situação, que tornam o objeto inspirador digno de se tornar arte, despertando assim o desejo de realização de uma forma de expressão artística como fruto natural da observação profunda.
por um novo prisma, destacando um determinado detalhe ou qualidade de objeto que inove o conceito em relaçultado de seu esfor
SENTIMENTO COM APTIDÃO ARTÍSTICA

E é lógico que dentre a vasta possibilidade de sentimentos humanamente conhecidos, existem aqueles que possuem alguma aptidão artística, e tantos outros não. Sentir-se atrasado para a audiência não tem normalmente uma aptidão artística, mas o carinho, o amor, a solidão, ou mesmo a saudade, são os sentimento que encabeçam a lista de sentimentos com essa espécie de aptidão.

Para definir melhor, possui aptidão artística aquele sentimento que por sua natureza e intensidade, não é suficiente o “apenas sentir”. Ele precisa provocar uma forma de necessidade de externá-lo de alguma forma.

NECESSIDADE DE INOVAÇÃO ARTÍSTICA DO SENTIMENTO

Existindo o objeto, surgida a oportunidade de observação e presente o sentimento com aptidão artística, é necessário que surja o desejo de expressar-se de forma diferente em relação ao objeto da inspiração.

Seria algo como julgar insuficientes as formas já existentes para descrever um conceito satisfatório sobre o objeto, criando assim uma espécie de revolução artística, onde se busque o novo como complemento do já existente.


MOMENTO – Condições de espaço e tempo favoráveis à dedicação do artista, permitindo a ele que se dedique à inspiração.

LUGAR

Como um samba de breque (aquele onde A fala se acopla com graça à música) é composto com freqüência na mesa de um bar, não é de se esperar que se componha uma canção de amor numa Festa Rave. O lugar deve funcionar como uma espécie de escritório, laboratório ou atelier do artista, tendo um mínimo de condições favoráveis ao emocional que será exposto no momento da reação artística.

Não existe lugar mais adequando para a composição de um reague que a areia do mar. Não existe um lugar mais próprio para se falar de amor, que o próprio quarto do artista.

O lugar então tem todo o poder de interferir na arte. Isso quem sabe explique gênios como Dorival Caymme (Dorival Caymmi nasceu em Salvador, BA, em 30 de Abril de 1914 ), ou mesmo Jorge Amado (Filho de João Amado de Faria e de D. Eulália Leal, Jorge Amado de Faria nasceu no dia 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia). Dorival Caymmi dedicou-se muito às coisas do mar, enquanto no pantanal, com genialidade não menos grandiosa, Almir Sater bordava sua arte com as coisas do pantaneiro.

Por justiça teríamos que analisar o local onde surgiram pessoas como Vinícius de Morais, Osvaldo Montenegro, Chico Buarque e tantos outros gênios, mas com certeza não conseguiríamos aqui elencar esta constelação brasileira.

Tanto quanto o lugar, as pessoas que dividem esse espaço com o artista, passam a ter grande importância no processo de criação. Dificilmente alguém que não tenha uma experiência com o sentimento dentro de seu próprio meio, haverá de compor algo sobre esse sentimento específico, limitando-se no máximo a expressar a falta que este sentimento causa.

Mais ainda do que espaço, as pessoas que dividem o momento da criação, podem funcionar de forma bastante positiva no momento da catalisação. Pode se considerar o exemplo da mãe que elogia o seu filho em seus primeiros acordes no piano, pois de certa forma estará catalisando a arte. Já o pai que se senta silencioso no sofá para ouvir a execução da música, compõem o lugar propício para o surgimento da arte, revelando que a arte existe para ser observada.

TEMPO

Quando Chaplin disse que “A persistência é o caminho do êxito “, ele estava a alertar que a realização depende do tempo. É lógico que em alguns casos surge a arte em forma instantânea, mas ela é fruto de uma soma de fatores que interagiram durante algum tempo, para brotar com aparência instantânea.

Normalmente, a arte leva tempo para surgir. O artista então precisa de tempo de dedicação para colecionar os elementos necessários para catalisar o processo criativo.

Os minutos, as horas, ou mesmo os dias que o artista pensa no amor perdido a exemplo, dão o tempo necessário para que seja dedicada a atenção devida ao sentimento objeto, de forma que ele seja catalisado, sofra a reação e seja finalmente externado em forma de arte.

Para ilustrar esse momento, teríamos a imagem de Jorge Amado, deitado à rede, olhando para o nada. Na realidade esse é o tempo de intelectualizar a arte. Pensar no sentimento até encontrar a melhor forma, a melhor expressão, o melhor conceito do sentimento carregado da poesia de que necessita para ser aquilatado pelo observador da arte.


CATALISAÇÃO – Processo de sensibilização onde o autor se permite uma maior degustação do sentimento, permitindo que seus sentimentos e seus conhecimentos incorporem como propulsão ao sentimento objeto da criação.

SENTIMENTOS PARALELOS

Supondo que o autor venha a se dedicar a uma canção ou texto de amor, é comum que outros sentimentos como saudade venha a catalisar essa arte. Os sentimentos então são coletados e passam a formar a arte bruta.

Essa arte bruta é a massa a ser trabalhada. Uma espécie de limites para a obra. Dentro destes limites os sentimentos serão agrupados e passarão a interagir entre si, ao exemplo do medo de perder o amor de que se fala, ou a saudade da pessoa amada que está longe.

Quando os limites são definidos a massa artística, ou a arte bruta, está pronta para ser trabalhada.

OUTRAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS

Funcionam muito bem como catalisadores da arte, outras manifestações artísticas paralelas. O escritor que ouve alguma música enquanto escreve, ou o compositor que observa a fotografia da pessoa para quem compõem a música.

Quando o sentimento recebe o auxílio dos sentidos (visão, audição, ou mesmo o tato), temos o momento em a arte está pronta para iniciar a reação artística.

REAÇÃO ARTÍSTICA – Processo onde o autor faz o sentimento submeter-se a um processo de condensação e depuração, aglutinando-o de forma a romper o silêncio artístico.


CONCENTRAÇÃO

Dentro dos limites propostos, cria-se então um paradigma artístico, onde o autor passará a se concentrar. O sentimento original será colocado no centro do paradigma, e passará a interagir com todos os demais elementos presentes.

O autor neste momento concentra-se de tal forma no sentimento original que passa a experimenta-lo com os demais elementos, criando interações que resultam em conceitos que integrarão a arte.

ABSTRAÇÃO RACIONAL

Para permitir o surgimento da arte, o autor então se propõem a uma abstração racional, e criando um campo emocional absoluto, onde o sentimento original e os conceitos surgidos, possuem a liberdade de crescer sem os limites da razão.

Não seria de todo errado dizer que é o momento da loucura da reação. O autor diz o que sente e libera seus conceitos independentemente das críticas ou contrariedades que ele possa receber da razão.

Grande parte deste momento, faz-se com a exposição absoluta ao sentimento. Se o autor sofre, ele degusta do sofrimento. Se ele ama, ama incondicionalmente. Se ele sente medo, alimenta do medo que sente expondo-se ao risco e permitindo sentir o sofrimento do acontecimento.

POTENCIALIZAÇÃO

Com certeza este é o momento de maior custo emocional para o surgimento da arte.

É o momento em que, nesta loucura permitida e na degustação excessiva do sentimento original, há uma exposição da alma do autor a todo o potencial deste sentimento, independentemente de quão nocivo seja ele ao próprio autor.

É como desnudar a alma e permitir que o sentimento atinja a ela com toda sua força, de maneira descontrolada, sem encontrar barreiras ou resistência.

É com certeza a sublimação máxima do sentimento.

Como se fosse o sentimento colocado em um reator, e sendo impulsionado por todos os elementos reagentes, este passasse a rodar cada vez mais rápido.

Ao mesmo tempo em que cresce o sentimento na medida que ele é realimento em si próprio e pelos demais elementos reagentes, este reator artístico ( comprime mais e mais o resultado da massa artística,agindo como se fosse em uma força centrípeta, chegando ao nível de concentração tal que ele explode como a manifestação artística natural.

Pode se comparar esse momento com a experiência onde enchemos ao máximo nossos pulmões e seguramos a respiração até não suportar mais. Quando ocorrer a expiração, ela não virá tranqüila como as tantas outras normais que ocorrem durante o dia. Ela ocorrerá de forma contundente, explosiva e descontrolada.

O custo emocional da arte, que ocorre em grande parte neste momento, decorre da necessidade do autor de se expor ao máximo em sua sensibilidade, quando então, seus sentimentos são expostos de tal forma, que são impactados por todo o tipo de elementos, sejam eles nocivos ou não.

Abrindo a alma desta forma, o autor se entrega de tal forma que não pode evitar que sentimentos nocivos, que lhe causam sofrimento, venham a se instalar em seu pensamento.

É comum a fadiga emocional depois deste momento.

Relacionando o custo emocional da arte com a experiência antes mencionada de encher os pulmões, o custo emocional da arte pode ser comparado com o crescente desconforto que a experiência de ficar sem respirar nos causa. Exatamente por isso, não é difícil encontrar artistas que em função desse sentimento, acabam transcendendo os limites da sanidade psicológica.

Para tentar sintetizar essa informação, uma experiência capaz de demonstrar essa fase, é o sentimento realimentado como no exemplo da saudade. Quando sentimos saudades, basta que nos dediquemos a outra tarefa para diminuir a sensação. Por outro lado, se ao sentirmos saudade paramos tudo o que estamos fazendo, e nos dedicamos exclusivamente a pensar na pessoa distante, o sentimento é realimentado de forma tal que em determinado momento, cria-se uma situação de instabilidade emocional.

O artista precisa permitir-se degustar o sentimento até quase ele não mais ser suportável, lembrando que o quase nem sempre é bem definido.

EXPERIMENTAÇÃO

Experimentação é a forma de expressão que o autor testa na arte após a reação. Ele tem a arte abstrata pronta, necessitando encontrar uma forma de dar-lhe corpo. Exemplo interessante é aquela possibilidade em que o autor escolhe a pintura como forma de expressão artística, e quando ela está pronta, percebe que o quadro inspira uma música, que por sua vez inspira um texto e que ao final acaba virando o roteiro de uma peça teatral.

Mas normalmente a experimentação se dá em um único campo, como o exemplo da escolha dos acordes que vão compor a melodia da música, ou os tons de tinta que melhor se adaptem ao quadro, ou mesmo as melhores palavras em relação ao título que vai se escrever.

EXPIRAÇÃO – Resultado da reação que surge como forma de arte natural.

Como resultado desta explosão, surge então a “expiração” da manifestação artística natural. A obra como ela é, sem uma forma exata, e sem conceitos pré-definidos.

Seria a primeira vez que o músico canta os versos que compôs, ou o momento em que o escritor coloca o ponto final. Poderíamos ainda explicar como o momento em que o pintor afastasse do quadro para apreciar pela primeira vez o resultado de seu esforço.

“Expiração Instantânea” é quando a arte acontece de uma só vez, mas pode ela decorrer ao longo de um tempo, como normalmente ocorrem com manifestações artísticas que demandam de muito tempo para a sua conclusão.

EDIÇÃO – Momento em que se faz o acabamento da arte.

Este é o momento onde pode ser empregada a técnica e a razão na arte.

Após a conclusão da música, o compositor poderá adequar este ou aquele acorde, que melhor soe no momento da execução. Poderá ainda cortar ou acrescentar partes, dando maior ou menor intensidade à obra.

Como o autor da peça teatral que percebe que o resultado final beira o perigoso campo melodramático, poderá ele restringir essa dramaticidade ao melhor conteúdo artístico.

Neste momento poderíamos então dizer que antes da edição, tínhamos a arquitetura artística, e a partir da edição, temos a engenharia artística, com toda a técnica que permite sustentar o resultado final como arte.

EXIBIÇÃO

Considerada pronta a obra, surge então o momento de exibir o resultado.

A outra grande parcela do custo emocional da arte encontra-se aqui, pois é comum o artista esperar uma determinada reação à sua obra. Quando a reação não é a esperada, é comum o artista voltar ao processo de criação com ainda mais afinco, não sendo impossível que ele entre em um processo depressivo diante da frustração do resultado de seu trabalho.

NOTÍCIA - Falecimento do Ator Luiz Carlos Tourinho


O ator Luiz Carlos Tourinho, de 43 anos, morreu por volta das 7h desta segunda-feira (21), no Hospital de Clínicas de Niterói, Rio de Janeiro. Tourinho deu entrada na emergência com uma parada cardiorrespiratória e os médicos não conseguiram ressuscitá-lo. A causa da morte foi um aneurisma cerebral, que ele tratava desde 2005, quando foi internado pelo mesmo problema.


Atualmente, o ator fazia o personagem Nezinho, na novela "Desejo proibido", da TV Globo. O corpo deve ser enterrado às 17h no Cemitério Parque da Colina, em Niterói.Luiz Carlos Tourinho nasceu em Niterói, em 16 de maio de 1964. Formado pelo Tablado, Tourinho iniciou sua carreira de ator ainda na adolescência. No teatro, participou dos espetáculos "Miss Banana", de Wolff Maia; "Os sete brotinhos", de Flávio Marinho; "Band-age", de Miguel Paiva e Zé Rodrix e "Coração brasileiro", de Flávio Marinho.


Sua primeira aparição na televisão foi na minissérie "O cometa", da Rede Bandeirantes, em 1989. Ficou conhecido nacionalmente em 1999, com o Edilberto, o desastrado assistente de Uálber Cañedo (Diogo Vilela), na novela "Suave veneno" (TV Globo), que deu a ele o prêmio de ator-revelação, por voto popular, em eleição do Jornal Extra.


O sucesso lhe rendeu o papel do porteiro Athaíde no humorístico "Sai de Baixo" (2000).De 2004 a 2007, ele encarnou o garçom Franco no humorístico "Sob nova direção", ao lado de Ingrid Guimarães, Heloísa Perissé e Luís Miranda.Na TV, ainda participou da novela "Kubanacan" (2003) e fez participaçoes em programas como "Sítio do Picapau Amarelo" (2005), a novelinha "Caça-Talentos" (1996), com Angélica, além da "Escolinha do Professor Raimundo" (1990), com Chico Anysio.


No cinema, o filme "For All, o Trampolim da Vitória" rendeu a ele prêmios nos Festivais de Recife e Miami. O ator também participou de "Quem matou Pixote?" e dos infantis "Tainá", "Xuxa e os Duendes 2" e "Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida."


Nossos sentimentos.