domingo, 14 de outubro de 2007

VIAJANDO PELO BRASIL E PELA ARTE (Samuel Rangel)
















Quando fui convidado a integrar o elenco da Academia Cena Hum de Artes Cênicas não imaginava o que me esperava.

Fui convidado para fazer parte do elenco que viajaria com a peça “Encantos dos Cantos”, que trata exatamente de uma viagem pelas cinco regiões do Brasil, onde Luiz e Dalva se aventuram atrás de uma identidade.

Foi algo realmente maravilhoso, e conforme havia me comprometido, vou narrar algumas passagens. Porém, antes de entrar nos detalhes maravilhosos dessa experiência ímpar, gostaria de fazer algumas considerações.

Se encontrar algum inimigo meu, nem me diga quem é, pois prefiro não conhecê-los (apesar da sabedoria popular dizer que é bem melhor saber quem são nossos inimigos, eu prefiro sonhar utopicamente que não os tenho). Mas se você encontrar algum, diga a ele que viajei com a peça para São Paulo - SP, Belo Horizonte – MG, Vitória – ES, Porto Seguro – BA (e região), Salvador – BA e Rio de Janeiro – RJ. Após dizer isso olhe bem nos olhos dele e observe a reação.

Mas se por acaso encontrar meus amigos (esses sim eu prefiro imaginar que os tenho), pode dizer a eles que só apresentei a peça em Porto Seguro, Barrolandia, Ponto Central, Itagimirim, Itapebi, Eunápolis e Belmonte.

Não se preocupe. O primeiro roteiro não esta errado. As outras cidades realmente fizeram parte da viagem, mas eram apenas aquelas malditas conexões desses vôos absurdos que realmente não dá para entender.

Às vezes não consigo entender por qual razão, para chegarmos a Porto Seguro, temos antes que passar por São Paulo, Belo Horizonte e Vitória. Como também não é suficientemente lógica para mim a idéia de que para retornar de Porto Seguro para Curitiba, temos que passar antes por Salvador e depois Rio de Janeiro.

E na falta de lógica a história começa.

A conexão em São Paulo foi proveitosa, pois não imaginava o quanto Zeca Pagodinho é antipático. Uma das meninas do elenco foi a ele pedir para tirar uma foto. A cara com que ele saiu na foto fala por si só.

Enquanto desfilávamos com violões e o madeiramento do cenário, mais as malas de figurino e as mochilas de cuecas, o dia já se anunciava longo e cansativo.

Desembarcamos em Belo Horizonte. Na sala de embarque aproveitamos aquelas três horas de fazer nada para desempacotar os violões e fazer um pequeno show musical. Horas após, embarcamos para Vitória.

Descemos em vitória, sob 34 graus de temperatura, mas a brisa que vinha do mar nem nos permitia sentir calor.

Você deve estar imaginando como se pode sentir a brisa em um salão de embarque Não é isso. Na realidade, em Vitória a companhia embarcou em um ônibus fretado que nos levaria a Porto Seguro.

Como não consultei o mapa, imaginei que seria uma viagem rápida, mas ao conversar com Argentino, o motorista (e esse é o nome dele mesmo), fui informado que viajaríamos por mais dez horas.

Ótimo.

Dez horas.

Na peça tem inclusive uma música que a letra diz: VIAJAR, POR TODO O BRASIL.

Então vamos aproveitar o insólito para fazer laboratório.

Cheguei ao aeroporto cinco e meia da madrugada de domingo, e às três da tarde descubro que tenho ainda mais dez horas de viajem. Tudo bem.

Usei da máquina fotográfica como companheira. Fotografei primeiro as paisagens, depois as árvores, depois as casas, depois as placas, depois o céu, depois fotografaria qualquer coisa, mas a noite chegou e fez da máquina uma companhia inútil.

Em São Mateus descobri que não estávamos nem na metade da viagem. E já quase começava o Fantástico. Fantástico.

Foi com muita alegria que vi a Isabela inventar suas piadas para alegrar seu aniversário. Ganhou um bolo e uma garrafa de cachaça: A Rainha do Jequitinhonha. Chegamos a uma posada nas proximidades de Eunápolis a uma e meia da madrugada de segunda-feira. Descarregamos tudo. Dormi rapidamente.

Não vou narrar aqui os detalhes das pequenas viagens para as apresentações pela região de Porto Seguro, pois pretendo fazê-lo com responsabilidade, abordando de forma bastante clara o que testemunhei em relação à condição social das pessoas que vivem nas cidades fora do roteiro turístico do sul da Bahia.

Como estamos falando da viagem, vou direto ao retorno.

Na volta, sai do hotel de Porto Seguro quando passava um pouco das onze horas da noite. Destino? Curitiba. Mas não sem antes dar aquela passada lógica em Salvador (isso de acordo com a logística aérea deste país). Desembarquei em Salvador perto das duas horas da madrugada, e minha conexão para o Rio de Janeiro me obrigava a esperar até as quatro e meia daquela longa madrugada.

Ali em Salvador reparei algo interessante. Cadeiras de sala de embarque seguem uma mesma linha por todos os aeroportos. Qual linha? São 10!

Desconfortáveis. Desagradáveis. Desgraçadas. “Destestáveis” (não é erro de digitação não).

Ali, enquanto meus olhos pesavam mais que as malas, sem poder fazer uso do cigarro que tanto me acalma, não havia outra opção que não fosse dormir. Então tentei fazer isso. Mas as malditas cadeiras desgraçadas não me acomodavam de forma alguma. Então lembrei das cenas de aeroportos durante o “apagão aéreo”. Pessoas dormindo pelo chão dos aeroportos. Vou fazer isso mesmo, pois dificilmente encontrarei algum conhecido por aqui. Ali, no chão da sala de embarque do aeroporto de Salvador, deitei-me sem cerimônia. Dentre os atores da companhia montamos guarda para evitar roubos e abusos sexuais contra os sonolentos.

Acordei na hora do embarque. Estava com as costas semelhantes a dos inimigos de Maguila. Meu pescoço parecia estar apaixonado pelo meu cotovelo direito e meu ombro esquerdo parecia ter crescido dez centímetros em apenas uma hora e meia de sono. O mais interessante é que apesar de estar em Salvador, o chão era extremamente gelado.

Entrei no avião e descobri que a poltrona que me fora reservada era aquela anterior às saídas de emergências sobre as asas. Sabe o que significa? Elas não reclinam. Praticamente não são poltronas, são um curso de boas maneiras e de etiqueta. Decolamos então rumo ao Rio de Janeiro com uma certa saudade das cadeiras malditas do saguão de Salvador.

A verdade é que cada minuto de tortura naquele vôo eu estava um minuto mais perto de minha cama. E vi o nascer do sol ainda do avião. Uma imagem que fez passar a dor no pescoço por alguns instantes.

Desembarquei em Rio de Janeiro para a minha última conexão. Mas no Rio de Janeiro encontrei algo bom. O quiosque dos fumantes. Quase no meio do saguão, uma caixa de vidro cheia de fumantes desesperados. Olhando de fora lembra muito a jaula dos macacos do Passeio Público. Entrei e imitei o Mico Estrela fumando meu Carlton.

Mais uma hora e meia de espera. Dessa vez descobri que alguns apoios de braços foram arrancados das malditas cadeiras amaldiçoadas. Então ali eu resolvi dormir de qualquer jeito mesmo.

Com uma perna sobre o violão, a outra sobre a mala de mão, uma mão no bolso e a outra balançando o quanto as articulações do braço permitem.

Ali dormi.

Ao acordar e caminhar para a fila do portão gate 22 (rssss), encontrei na fila de embarque algo belíssimo de se ver. A Mis Brasil (Sim. Exatamente. A segunda mulher mais bela do mundo que é mais bela que a primeira). Ela estava ali, pouco adiante de mim. Um dos colegas do elenco foi até ela e pediu para tirar uma foto. Ela é muita mais simpática que Zeca Pagodinho, e não teve qualquer restrição em tirar a foto sorridente.

Pensei então que deveria fazer o mesmo, mas lembrei que eu estava com cara de quem dormiu no chão de Salvador, e sentindo na boca o gosto de quem havia mascado uma carteira de Derby sem filtro. Como havia acordado na hora do embarque, não houve tempo de escovar os dentes. E se eu pedisse para à simpaticíssima Mis tirar uma foto comigo, teria que fazê-lo por um intérprete, sob pena de maltratar a moça. Nessas horas não aparece ninguém que possa nos ajudar.

Embarcamos. Dormi apesar de descobrir que o cidadão sentado no banco atrás do meu tinha os maiores fêmures que a humanidade já viu. Enquanto os joelhos do cidadão empurravam minha espinha em direção da Mis, dormi.

Acordei em Curitiba.

Logicamente que a minha mala verde foi uma das últimas a surgir na esteira, mas melhor do que a mala de uma das atrizes, que nem apareceu. Ali ficamos resolvendo os problemas burocráticos do desaparecimento. Tudo bem.

Ao sair no saguão do aeroporto, parecia provocação, pois todas as pessoas riam. Ainda bem que descobri rapidamente que riam em função do reencontro com seus familiares, e não da minha odisséia.

Se encontrar algum inimigo meu, você já sabe o que contar.

Se encontrar algum amigo meu faça-o rir bastante.

Agora entendo o que faz uma sexóloga do Ministério do Turismo. Esse lance de aviação realmente está uma sacanagem, porém, o prazer não é o mesmo para os dois lados da relação. E quando em uma relação, só um goza, é melhor consultar uma sexóloga mesmo.

Mas é bom avisar a perua que nem todos têm tendências masoquistas.

E para encerrar...

1) Descobri que na Bahia as galinhas deitam de lado realmente, e não se sentam apenas como as galinhas do sul (para aqueles que tiverem dúvidas é só me mandar e-mail que eu mando a foto).

2) Estávamos à beira da piscina, quando uma das meninas do elenco viu que estávamos próximos de uma caixa de marimbondos. Quando ela pensava em sair, um baiano que estava perto a tranqüilizou: Não se avexe. É marimbondo Baiano. Eles têm uma preguiça de sair de casa...

3) Em Belmonte, após descer do ônibus, fui abordado por um cidadão muito humilde. Ele queria saber de onde vínhamos, o que fazíamos ali e mais todo e qualquer tipo de informação para quem tem muito tempo. Começamos a conversar, quando ele me informou que seu salário estava “acocanhado”. Como seu polegar estava para baixo, entendi tratar-se de um salário ruim. Para ser-lhe simpático, resolvi então perguntar: - O senhor trabalha com o que? Ele então me respondeu: - Trabalho não. Eu sou solteiro!

4) A MENOR DISTÂNCIA ENTRE DOIS PONTOS É O ÔNIBUS, POIS O AVIÃO SÓ É MAIS RÁPIDO (Ou não ...).