sexta-feira, 18 de abril de 2008

NARDONI, NA DÚVIDA ... QUE DÚVIDA? (Samuel Rangel)

Enquanto a imprensa lucra recordes de audiência com o “Caso Isabela”, ficamos atônitos tentando encontrar respostas para o ocorrido. Na balada do horror, a justiça decreta sigilo no processo, afastando assim as investigações da opinião pública. E preenchendo os espaços da dúvida com cores mórbidas, surgem advogados, promotores e delegados, cada qual flamulando as suas bandeiras cobertas pelo manto negro do sigilo.

E depois de tantos anos advogando no Tribunal do Júri, vejo a imprensa enaltecer o princípio de que a dúvida deve favorecer o acusado. Não havia testemunhado tal postura enquanto defendia os favelados e andarilhos que defendi ao longo de minha carreira.

De certa forma, ao ver tal postura, fui inicialmente tomado por certa alegria. Após algum tempo, ao começar a perceber as nuanças do caso, a alegria transformou-se em decepção.

Não se trata de uma homenagem ao princípio de que a dúvida se resolve em favor do réu, mas sim, a malfadada discriminação entre pobres e ricos. Trata-se da temerária influência das pessoas que transitam pelos corredores chiques dos tribunais, verdadeiros “parentes da justiça”.

E no “Caso Isabela” há dúvidas? Quais dúvidas?

Eu tenho cá minhas próprias dúvidas.

Eu não consigo acreditar que uma madrasta pode estrangular sua própria enteada. Não consigo acreditar que alguém pode ver o desespero de uma criança enquanto a vida se esvai literalmente entre os dedos. Eu duvido que o ser humano seja capaz de ato tão atroz.

Mas em que pese essa minha dúvida, revendo casos anteriores, descobrimos infelizmente que estes doentes estão por aí, e monstruosamente escondem-se em casas vizinhas, espancando crianças até a morte, atirando-as em paredes, torturando-as para vingar-se de um comparsa de uma gangue criminosa. As bestas estão aí sacrificando crianças em ritos macabros, ou para o tráfico de órgãos.

Mas ainda assim, eu não acredito que o próprio pai é capaz de jogar a própria filha pela janela, em direção a morte, para proteger a mulher que estrangulava a criança. Eu não consigo acreditar que esse “pai”, teria coragem de romper uma tela de proteção para levar a cabo seu intento monstruoso. Eu não consigo acreditar que nos segundos lentos onde a vida se acaba, esse pai não teria um lampejo de luz para reverter o rumo dessa história macabra. Eu não consigo acreditar que enquanto rompia os fios de nylon da tela de proteção, a imagem dos céus não tenha lhe convencido a mudar sua conduta.

Levando-se em conta tantas dúvidas, consigo até entender que se tenha dado a liberdade para essas “pessoas” até que o caso se esclareça.

Mas as dúvidas existem em mim, no homem médio, na mulher que ainda tem sentimentos, e mesmo em uma população que apesar da imbecilidade que prepondera no mundo, ainda é capaz de olhar com amor para suas crianças.

A dúvida existe nesse abismo que nos separa dos monstros deformados, pois quando os resultados das perícias começam a estampar os jornais e os noticiários, quais são as dúvidas que restam?

Restam as dúvidas morais. Resta a nossa dúvida: Como alguém pode fazer isso, com uma criança, com sua enteada, com sua própria filha?

Decida como decidir a justiça, a pena já está decretada.

Quando a imprensa esquecer o caso. Quando o final da história for uma folha de papel amarelada em alguma prateleira do arquivo morto da justiça, haverá uma voz.

E se foi esse pai e essa madrasta, os autores dessa insólita história de horror, jamais lhe sairão da cabeça os ecos dos últimos gritos de Isabela.

E que realmente os gritos, sussurros e os últimos suspiros de Isabela, invadam como contundentes ecos, as almas doentias de todos aqueles que colaborarem com distorção dessa história macabra, condenando-os à mutilação de sua própria loucura.