O ano é 2007, e mal chegamos ao seu terceiro mês, os jornais já nos encheram de manchetes estapafúrdias e traumatizantes, revelando um grave processo de brutalização do ser humano. E não seria impróprio começar pela história de João Hélio, que foge ao entendimento médio, criando em nossas mentes a imagem e o universo de dores e sentimentos pelos quais aquele menino deve ter passado.
Depois falaríamos das vítimas de balas perdidas, que por serem tantas, acabam passando ao anonimato, cujos nomes não se permitem lembrar em nossas meditações. Chegaríamos então aos onze policiais militares do Rio de Janeiro, assassinados em apenas oito dias, mas que ao longo do ano já passam de trinta.
Desta forma, fica bastante claro que o momento é único, e nos revela um grau de barbaria experimentado apenas na época das Cruzadas ou nas batalhas de Drácula que empalou milhares de homens e mulheres. E nós, em frente as televisões de plasma, portando belos celulares e digitando nossos charmosos computadores, vivemos em silêncio aquelas barbáries de outrora.
De que nos valeram esses avanços se hoje buscamos nossa felicidade em uma “Secound Life”? Será que perdemos a capacidade de viver em comunidade?
Se analisarmos bem, mal conhecemos nossos vizinhos, e quiça, mal conhecemos nossos parentes. Aliás, essas operações da Polícia Federal, prendendo “mega traficantes”, desmantelando máfias, e tornando chique as suas carceragens, com a presença de pessoas que desfilavam nas patéticas colunas sociais de nossos jornais, mais parece um programa do tipo “CONHEÇA SEU VIZINHO”.
Ao trânsito caótico, contemplamos todos os dias cenas de filmes americanos, em que as agressões e a hostilidade chegam a nos chocar. Tantas são as amizades que se desfazem por causa de dinheiro que corrompe sociedades de confiança. E sobre o tal dinheiro, nos dedicamos tanto ao trabalho que nossos filhos passam a ficar na prateleira, vez por outra, levados a passear em um ou outro domingo, mas substabelecemos a paternidade e a maternidade às Babás.
O mês já é agosto. E agora? Com a morte de Ana Carolina Caron o que falaremos aos seus pais?
O que aconteceu conosco?
Cada um de nós, cada cidadão na sociedade inserido, está submetido a um grau de estresse nunca antes experimentado. E na surpresa do inusitado, percebe-se que a criminalidade aumenta pela brutalização do relacionamento humano.
Com o crescimento da criminalidade, ainda com mais brutalidade a sociedade exige a intervenção da polícia, muitas vezes já brutalizada pela própria natureza, e que ao agir nos limites extremos, acaba sendo criticada por eventuais excessos. E assim, policiais submetem-se a execração da opinião pública concebida nos editoriais dos mais irresponsáveis jornais, que há muito trocaram o dever de informação pelo prazer da arrecadação. Caso de polícia que a sociedade ensandecida empurra aos solavancos até os tribunais.
E ali, os casos encontram juízes, que as vezes partilham de nossa realidade em seu café da manhã. Lêem as notícias que lhes despertam especial severidade. Uma severidade que nem sempre se vê nos casos onde os réus são juízes ou promotores.
Agora o Juiz indignado condena tanto marginais quanto policiais – estes a penas que beiram o suplício, aos extremos da Lei, demonstrando que claramente não existe mais espaço para a complacência, principalmente com policiais que delinquem aos olhos da sociedade.
E lamentavelmente, complacência que é justamente o que falta aos criminosos que deram início ao ciclo vicioso, e agora resgatam e saboreiam a deliciosa e doentia vingança ao policial que outrora estava no grupo adverso, aquele que o prendeu, mas que pela ironia do trágico destino, agora divide a mesma cela, onde a brutalidade é semente implacável da certeza que tudo continuará a seguir o mesmo rumo, em um declínio que aponta ao caos.
Por outro lado, ao mesmo tempo que a brutalização incandesce a opinião pública, ela traz um enrudecimento em cada indivíduo, que não tem mais a sensibilidade de fraternizar com o sentimento e o sofrimento alheio, fazendo cada cidadão assistir o suplício de João Hélio em silêncio
Por qual razão não reagimos?
Quem sabe por estarmos desenvolvendo inconscientemente a impressão de que aquilo que esta nas telas de televisões e computadores não passe de uma “Secound Life”.
Lamentável.
Samuel Rangel
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
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