quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

JUCA, O TUBINHO BRANCO E O NATAL (Samuel Rangel)



Dezessete Contos em um só Natal.

Juca é mais um brasileiro, daqueles que faz cálculos na ponta do lápis, olhando a caixinha de sapato cheia de boletos bancários, para ver se poderá levar as crianças para andar no “carrinho de choque” do parque Alvorada no Barigui. E como todo profissional liberal, houve meses que ele conseguiu levar os moleque três finais de semana, inclusive num deles, cada filho pode andar duas vezes, e por mais incrível que pareça, cada um em um carrinho.
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Entre altos e baixos, numa semana comendo frango congelado, e no outro frango defumado, que as crianças adoram chamar de “frango de natal”, Juca e sua família sempre levou uma vida tensa nas finanças, mas bem estável no aspecto emocional.
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Mas como todo brasileiro, quando começam a acender as instalações de pequenas lâmpadas, uma nostalgia e um frio na barriga tomam conta de Juca. É dezembro, o mês com certeza mais difícil de atravessar com esta vida incerta de profissional liberal. Todo homem que se presa neste mês, e que não sabe o quanto ganha, ou o quanto deixa de ganhar, espera o dia 23 de dezembro para descobrir quanto poderá gastar com os presentes.
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Aquele mês de dezembro não começou bem. O amigo ao qual havia emprestado um dinheiro, já comunicou a impossibilidade de pagar o empréstimo. Além disso, houve uma queda no volume dos negócios, pois seus clientes já estão se mandando para as praias e não movimentam mais o caixa. E dezembro passa atropelando as semanas enquanto o caixa de Juca continua no vermelho. Quando chega o dia 20, ele percebe que não haverá como fazer nada no Natal. Preocupado, Juca vai até a casa de seu sogro e conta a situação.
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Seu sogro, um simpático italiano que lhe tem em alta estima, ao ouvir a situação de Juca, demonstra toda a sensibilidade que se possa esperar. Diz a Juca então que até gostaria de lhe ajudar, porém, como sua condição financeira de aposentado não é boa, o máximo que ele pode fazer, é tirar de Juca a responsabilidade sobre a Ceia de Natal. O simpático sogro lhe socorre oferecendo a sua casa para as comemorações, e responsabilizando-se pela ceia.
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Juca saiu mais aliviado, porém, não sabia o que iria falar aos seus filhos, pois por mais educadas que sejam as crianças, elas não são obrigadas a entender as coisas dos adultos. O agravante maior é que dos quatro filhos, os dois menores ainda acreditam em Papai Noel, e a ausência de um pacote sob a árvore de natal, poderia frustrar esses sonhos.
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Após dois dias pensando em uma solução para o problema, Juca lembrou-se de um cliente, Leonardo, dono de uma loja de importados da China, que diante da confiança adquirida, poderia lhe fazer algo como um parcelamento em alguns brinquedos. Ao chegar na loja de Leonardo, percebeu que as comemorações de natal realmente estavam próximas. Um multidão de pessoas travestidas em gafanhotos, se espremia nos corredores entre as prateleiras devorando tudo. Juca foi direto a sala de Leonardo, que ficava no mezanino. Fo conversar com ele sobre a sua dificuldade. Ao chegar lá, viu Leonardo em pé à janela que dava para o galpão olhando o movimento orgulhoso. Ao ver Juca, Leonardo sorriu e veio ao seu encontro lhe abraçando e desejando um feliz natal.
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Juca, com a voz embargada, contou a Leonardo o que se passava, e envergonhado, perguntou sobre a possibilidade de comprar alguns brinquedos, sem entrada e com um bom parcelamento. Leonardo sorriu e prontamente disse que não havia necessidade de estipular tal parcelamento. Mandou Juca direto ao depósito escolher o que bem quisesse, combinando que o pagamento poderia ser feito quando e se Juca pudesse pagar.
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Emocionado Juca correu ao depósito e conseguiu os quatro presentes para as crianças. Finalmente, no dia 22 de dezembro já, ele havia conseguido dormir com a certeza de que não decepcionaria ninguém naquele natal.
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Ao acordar no dia 23 pela manhã, Juca foi avisado pela sua mulher que sua sogra havia ligado e combinado um amigo secreto antes da Ceia de Natal, e que o valor dos presentes ficou combinado entre cinquenta e sessenta reais. Logo depois de dizer isso, e com Juca esfregando os olhos, sua esposa lhe entregou um papelzinho dobrado, dizendo: se você pegar você mesmo, me diga que temos que refazer o sorteio.
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Juca de forma mecânica, foi desdobrando o papel, mesmo antes de dizer que não queria e não podia participar daquela brincadeira, pois na sua carteira, apenas uma nota de dez, uma de cinco, e uma de dois reais. E as dobras foram se desfazendo uma após a outra, e quando o papel se abriu por inteiro, lá estava o nome de sua esposa, encostada na porta, que já foi lhe perguntando se era ele mesmo. Juca chacoalhou a cabeça cansada, e disse que não. A mulher sorriu e foi correndo ao telefone: “Mãe. Deu certo! Não precisamos sortear novamente.”
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Enquanto Juca pensava como iria conseguir os outros reais que faltavam, ouviu a sua esposa confirmando a presença da família também nas comemorações do ano novo, e em meio a essa conversa, deixou escapar o desejo de comprar um vestidinho branco para o reveilon. Juca vestiu o jeans e saiu correndo, dizendo que ia trabalhar, porém, não havia serviço a fazer. Visitou os irmãos e descobriu que eles estavam na mesma situação. Visitou alguns amigos e nada. Juca era a mais fiel representação de um natal difícil para todos.
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Então Juca lembrou-se do amigo que lhe devia. E antes que o tanque de seu gol mil esvaziasse, foi direto para lá fazer a cobrança. Ao chegar na frente da casa do devedor, viu ele descarregando pacotes de presentes e sacolas de mercado. Ao olhar aquilo, um sentimento de traição lhe tomou o coração. Enquanto suas dificuldades se empoleiravam na sua frente, lá estava o devedor comemorando o natal dos sonhos de qualquer brasileiro. Pacotes grandes e coloridos, champanhe no lugar da Cidra, e um pernil de um porco de polaco. Quando perguntou a ele sobre a dívida, ele disse que havia chegado tarde, pois havia gasto seu dinheiro com as festas, porém, depois do ano novo poderia passar por ali para pegar ao menos parte do dinheiro.
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Juca deu as costas ao ex-amigo, e resolveu evitar de dizer-lhe algumas verdades. O nó na garganta era tão grande que nem um adeus foi dito. Entrou no seu carro, e resolveu comprar o presente de sua amiga secreta com os míseros R$ 17 que lhe havia sobrado. Parando perto do Círculo Militar para não ter que pagar o Star, Juca subiu em direção à Rui Barbosa, olhando atento às vitrines. Passou pela frente de lojas de roupas usadas, mas percebeu que seria uma grosseria dar um presente desses a sua mulher. O dia desapareceu nos passos rápidos das pernas de Juca, e ao final da tarde, Juca ainda não tinha um presente para sua esposa. Cada loja em que entrava, parecia o pregão de uma bolsa de valores, e uma multidão trocava “pacotaços”, cotoveladas e empurrões.
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Juca então parou em meio aquela multidão e perguntou-se onde estava o espírito de Natal. Decidiu então voltar para a sua casa, abrir seu coração, e contar para a sua esposa sobre a sua odisséia. Quando se retirava da loja, viu um secador de cabelos sobre o balcão da loja. O vendedor milagrosamente lhe ofereceu aquele secador pelos exatos R$ 17, pois estava riscado no cabo e não tinha caixa. Era uma milagrosa ponta de estoque. O Natal estava salvo. O vendedor saiu para atender outra pessoa, e Juca ficou ali, guardião do presente, aguardando o retorno de seu salvador. Já com um sorriso no rosto de alívio, começou a olhar complacente para as pessoas que não tiveram a mesma sorte que ele. O Natal de Juca estava salvo, enquanto guerreiros espartanos gladiavam pelos pacotes.
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Cerca de quinze minutos depois, o vendedor retorna, e ao perguntar para Juca onde estava o secador, este percebe que realmente o presente havia sumido do balcão. No caixa uma senhora com jeito de italiana empunhava o presente contando algumas notas. Ao tentar falar com a senhora, e tentar justificar que aquele presente era seu, a senhora se agarra ao secador com força e diz que não. A discussão ficou acalorada e a senhora então chama o segurança da loja, reclamando que Juca a estava assediando. O segurança, despachou via sedex Juca para fora da loja. Juca, agora ofendido, saiu marchando em direção a lugar nenhum. Blasfemava, xingava e gritava impropérios a esta multidão de loucos que se matam por um feliz natal.
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Juca andava pela rua com uma cara de Fred Krueger, mas com a sanha de um Jason Voorhees, e se todos desejavam transformá-lo em um boneco das festas de um mundo globalizado, seu olhar de Chuck, alertava que esse boneco poderia se tornar um assassino. Chuck realmente queria brincar com você.
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Mas o cansaço das pernas que correram o dia todo lhe tirou qualquer possibilidade de explosão, e a resignação tomou sua alma. Quando já despertava pena nas pessoas que cortavam seu caminho, como a luz de um anjo de Natal, em uma lojinha de turco daquelas que fica perto da Praça Zacarias, viu um reluzente vestidinho branco, tubinho, daqueles que ficaria lindíssimo em sua mulher, e exatamente como ela queria. Ao se aproximar, viu o preço do vestido numa etiqueta de papel e caneta “silverpen”. R$ 18 a prazo. Seis parcelas de R$ 6.00.
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Lá no fundo da loja, um homem gordo de bigode grosso gritava com as funcionárias e nem precisa de crachá para identificar-se como dono do estabelecimento. Juca foi até ele decidido e perguntou quanto custava o vestido a vista. O homem lhe disse: Eu Bode Fazer guinze.
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Juca sacou de todo o seu dinheiro e ainda sobravam R$ 2 para um coca-cola na confeitaria das famílias. Antes que alguma louca se agarrasse no vestido de sua mulher, Juca o sacou da arara e foi ao caixa. Pagou o vestido, saiu da loja feliz, e saboreou uma coca-cola com gosto de vinho fino na Confeitaria das Famílias.
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Atravessou o centro feliz e leve. Entrou no seu carro e voltou para a casa com um sorriso de campeão no rosto e o espírito de natal renovado. Tudo havia dado certo ao chegar ao final. Seu compadre Sandro sempre lhe havia dito isso.
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O dia vinte e quatro surgiu com o rádio da cozinha tocando músicas de natal muito bem escolhidas pela produção da Rádio Cidade. Crianças se enfileirando para o banho, o cheiro do Tender no forno, que sua sogra havia pedido para sua esposa assar, tomou a casa por volta das duas horas da tarde. O telefone não parava de tocar com familiares e amigos desejando a Juca e a sua família um Feliz Natal. O Natal reapareceu forte no coração de todos no dia 24.
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Juca, a esposa e as crianças embarcam no Gol e foram para a casa dos pais dela. Lá chegando, cunhados e cunhadas se abraçavam e forjavam um bem querer que não se viu durante o ano inteiro. Ao julgar ser a hora certa, a sogra chamou todos para ocuparem os sofás da sala. Dois que faziam parte do jogo de sala, e outros dois emprestados do vizinho que resolveu passar o natal na praia.
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A sogra então anuncia que primeiro seria feita a troca de presentes e depois o amigo secreto. Juca achou aquilo estranho, mas não questionou em virtude de sua felicidade cantar mais alto que o disco dos cantores do Palácio Avenida que rodava no toca-discos Gradiente System 96.
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Poucos pacotes sendo entregues, a sogra foi presenteando os filhos e as filhas, até que lhe restou um último pacote na mão e um olhar de ternura para a esposa de Juca. A sogra veio lentamente e abraçou Juca e depois olhou com uma ternura maternal para a filha dizendo.
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- Minha querida. Você sabe que para mim o maior presente que tive nessa vida, foram os seis filhos que Deus me deu. E você minha caçula, sempre foi aquela que mais esteve perto de mim em todos os momentos alegres e tristes. Quando você casou com Juca, eu não gostava dele, mas hoje o tenho como filho também, e o recebo em minha casa com muito amor. Portanto minha filha, eu consegui comprar um presente que simboliza meu sentimento por este casal maravilhoso. Eu estava andando perto da praça Zacarias e comprei esse vestidinho tubinho branco como você queria.
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A filha faz uma cara de feliz e ao abrir o pacote, ela permite a Juca ver um vestido exatamente igual a aquele que ele havia comprado para ela. Juca fica desconcertado, mas mantém a postura, afinal o Ano Novo se comemora na noite de 31 e no primeiro dia do ano. Não há problemas. Ela poderá passar as festas de branco.
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E após secar algumas lágrimas, a esposa de Juca abraçou fortemente a sua mãe, e com os olhos ainda úmidos, disse-lhe a clássica frase de Natal: Não precisava mamãe. Não precisava se incomodar.
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Juca ali ao lado, ouvia tudo.
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Ao desmanchar o abraço, a sogra de Juca olha para a filha e diz:
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- Não foi incomodo não minha filha. Eu paguei só R$ 11 na loja daquele turco gordo e bigodudo que não sabe falar direito. Quando eu estava saindo da loja ainda disse a ele que achei barato, e ele subiu o preço para R$ 18. Pode? (a sogra riu nesse momento)
- Mas agora minha filha vamos ao Amigo Secreto, porque esse sim é bom. Os presentes tem que ser entre cinquenta e sessenta reais. Agora vai começar o bom da festa. Quem começa é você Juca. Quem é seu amigo secreto?

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