TEORIA DO RIDÍCULO (Samuel Rangel)
Ontem cheguei à minha casa cedo, liguei a televisão e sintonizei na RPC. Eu queria conferir o resultado de um trabalho que fiz com o Diogo Portugal há uma semana. Tratava-se de uma paródia em cena do filme Tropa de Elite, onde dois policiais velhinhos desembarcavam de um bólido da marca Volkswagem ainda mais velho para “enfrentar o crime”.
Eu?
Bom ...
É ....
Veja bem ....
Ok. Não precisa me bater. Eu conto. Na cena eu interpretava um Traficante que dava o “arrêgo” para os policiais.
E qual o problema disso?
Pois bem. Não é lá muito educativo interpretar um traficante, e mais ainda quando o figurino é uma bermuda 1976, com uma regata boa de mexer cimento, acompanhadas de uma meia de nylon na cabeça. Ma isso não é tudo. Observe então o óculos de pagodeiro na cara.
Realmente é algo que marcou minha carreira. Mas poderia ser pior. Imagina se aquilo fosse gravado em uma externa, com um frio do cão, e bem no meio do morro mesmo. Imaginou?
E não é que foi.
Quando vi o resultado de quatro horas de gravação dispostos em uma cena de dois minutos, comecei a rir sozinho, ao mesmo tempo em que eu rezava para ter acabado a luz no resta da cidade de Curitiba.
Eu torci, torci, torci e torci mesmo para a audiência ser a menor possível.
Não adiantou minha torcida.
As mensagens começaram a chegar ao telefone. Tentei então me refugiar na internet. Se eu ocupar o meu cabeção agora sem meia, quem sabe eu possa relaxar.
Bobagem. O MSN começou a piscar enlouquecido. Os amigos tentavam dar algum apoio. Os amigões já faziam mais: Cara. Tu tava ridículo!
Nessa hora lembrei de um texto que escrevi: Dias cinzas, publicado neste blogue aqui no mês de agosto.
Quero então usar aquele trecho, onde eu dizia:
“Já que o dia quer te fazer de palhaço, ocupe o picadeiro com dignidade. Seja o melhor palhaço do mundo, e faça os outros rirem pela tua enorme capacidade de digerir sua própria tragédia, e transformá-la em uma alegria surpreendente.”
Reféns de nossas vaidades, cultivamos uma espécie de pavor ao ridículo, e exatamente por causa deste pavor às vezes deixamos de viver tantas e tantas coisas.
Mas é hora de contabilizar. Eu que sou um xucro nas artes do monetário, resolvo então fazer cálculos do custo e benefício.
Embora meus critérios possam sempre ser questionados, quero dizer que valeu a pena.
Foi muito bom ver o meu amigo Diogo Portugal dando autógrafos para as crianças que o cercavam no local da gravação. Temos um talento curitibano reconhecido, e o que é melhor, pelos próprios curitibanos. Isso é incrível.
Então percebi que, realmente, se tivesse sucumbido aos ditames deste pavor, eu não teria subido ao palco, pela primeira vez, com meus tenros e longínquos doze anos, acompanhado de meu violão recondicionado. E se tivesse agido assim, teria deixado de fazer muitas das minhas amizades que tiram sarro da minha cara até hoje.
Se tivesse ouvido os conselhos desse pavor, não teria atuado na peça Bar Doce Lar, onde tive a honra de rir e fazer rir com mais de vinte e quatro mil pessoas que compartilharam comigo aqueles momentos de palco.
Analisando o tema, ouso invocar a minha velha, mas infalível, teoria do ridículo.
Não podemos deixar de viver com medo de que a vida brinque conosco.
E cá entre nós, o homem não é e nunca será um ser tão bonitinho assim.
Acordamos nos espreguiçando de forma ridícula. Levantamo-nos com um cabelo ridículo, e quando chegamos ao espelho ... Francamente. O que é isso meu senhor? Seria melhor então não acordar?
Mas tudo bem. Seguimos nossa vida tentando dar as costas ao ridículo. E vamos nós filosofar na cerâmica do nosso reservado. E isso não é ridículo? Seria melhor não ter levado tão a sério aquela costela de sábado.
Mas seguimos nossa vida negando esse ridículo que nos assombra.
Aceitamos o convite da bela garota para ir ao teatro ver aquela mercadoria de peça do amigo dela que se acha comediante.
Sentamo-nos e observamos.
Então a gente espera o povo bater palmas para bater junto. Desta forma não nos destacaremos. E o ridículo esta afastado, exceto em nosso lábios que se mordem esperando o momento exato de aplaudir.
Mas para que tanta austeridade com este ser ridículo que somos?
Aqueles que são ridículos levantem a mão agora. Eu sei que é ridículo você levantar a mão no seu serviço, mas trate isso como a versão humanística da teoria da libertação do ridículo.
Nós, da espécie Homo Sapiens, somos definitivamente ridículos.
E para encerrar o assunto e provar que assim somos, conduzo o tema ao auge da alegria, da realização e do prazer.
Sim. O momento mágico em que você com a pessoa amada chegou lá.
Pare com essa história de dizer que viu estrelas que isso é ridículo.
Pois bem. Até neste momento somos ridículos.
Não?
Primeiramente, vamos a vocalização. Será que algum ser iluminado poderia me dizer o que significa aquele bando de combinações de vogais que largamos quando estamos quase lá: “A”, “U”, “OU”, “IÉ”. Isso para os homens, pois as mulheres ainda usam o “AI” e o “UI”. As únicas combinações de vogais que não combinam com esse momento são “I” e “Ei”.
Se a mulher falar isso, fuja companheiro.
Mas existe algo mais ridículo que isto.
Não acredita?
Quando chegar ao auge do clímax entre homem e mulher, olhe bem para os seus dedos dos pés.
Já olhou?
Os dedos se abrem, se contorcem de forma incrível, parece querer subir em uma árvore.
Opa. Foi mal.
Desculpa aí. Parece que as mulheres não vão mais poder fingir o orgasmo.
Mas cá entre nós. Esse lance de fingir orgasmos é ridículo mesmo.
Da próxima vez que tiver dúvida companheiro, olhe bem para os pés dela. Só evite que ela perceba que você esta observando. E se puder, evite rir também. Seria ridículo você rir em uma hora dessas.
Mas nós poderíamos ser ainda mais ridículos.
Nós poderíamos estar agarrados à cadeira da Presidência do Senado.
Ou nós poderíamos ser Juízes amigos de narcotraficantes.
Nós poderíamos ser tão ridículos que seríamos capazes de misturar soda cáustica ao leite que o povo toma.
Mas nós poderíamos ser infinitamente ridículos, sendo presidentes deste país e dizendo que não sabíamos de nada.
Pensando bem...
Até que a gravação ficou melhor do que poderia ser.
terça-feira, 30 de outubro de 2007
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