segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

42 anos. 420 amigos? (Samuel Rangel)


UMA FESTA E UM PRESENTE, COMO A VIDA É (Samuel Rangel)
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Minha teoria de que em nossa festa de aniversário retornamos aos nossos sete anos de idade, mais uma vez se confirma. Quando chega a meia noite do dia que antecede a nossa data festiva, e por mágica se faz no relógio zero hora, olhamos ao redor para saber quem será o primeiro. E não é difícil, havendo possibilidade, abrir o orkut, o hotmail e todas as outras porcarias bacanas que a tecnologia nos trouxe, para ver quem são os amigos mais ágeis. E ao contrário do que a maturidade nos aconselha, flagramo-nos fazendo planos e imaginando quem serão os presentes em nossa festinha. Pronto, egocêntrico e sensível, lá está um cidadão comemorando quarenta e dois anos, com a carga emocional de um menino de sete anos.
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Ainda com as costas surradas doloridas das lembranças do inferno astral, a comemoração de três dias vai começar, e calçando sapatos novos e roupa de domingo (que no meu caso são as mais velhas mesmo), lá se vai o menino homem para a data do ano, para a festa dos quarenta e dois, para o aniversário e coisa e tal.
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Dessa vez ele espera mais, porque a festa é no próprio bar em que é sócio, mas um telefonema avisa que o inferno astral não acabou. Corre o adolescente para o bar, pois não teremos funcionários para a sua festa. Alguém resolveu te fazer um presente surpresa. Achando que tudo faz parte de homenagem de amigos, do tipo festa surpresa, lá se vai o rapaz com as chaves do bar para a festa, mas ao chegar, a surpresa é de que realmente não há um funcionário, e aquela festa para 120 pessoas, não tem garçom, não tem cozinheiro, não tem porteiro e não tem nada.
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Um sorriso no rosto, uma decepção no coração, o homem então percebe que o infernos astral não acabou. Banda grega passando o som, e os convidados chegando. Atendendo o balcão, propondo-se a pedir uma pizza para os que têm fome, servindo de garçom e de tempos em tempos entregando a ficha de consumação como o bilheteiro do Couto Pereira, o aniversário começou antes da hora. Então uma pergunta me surge: Não deveria eu ter esperado a meia noite para começar essa festa? Assim o inferno astral já haveria te ter acabado.
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Mas enquanto pergunto onde estaria aquela pessoa que se disse tanto amiga, e havia me causado a surpresa indesejável, percebo que tudo faz parte da vida como ela é. E como se caíssem dos céus, anjos amigos vão se propondo a uma ajuda. Então há aquele que se propõem para portaria, a noiva do sócio amigo e a irmã se propõem a servir mesas. Quando o relógio alcançou as onze horas, decidi que era hora de mandar esse tal inferno astral para outra dimensão. Na mais completa tradição da Festa Grega, adquiri quatro dúzias de pratos, pronto para atirá-las ao chão com a redenção de meu estado de ânimo.
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Após atirar o primeiro prato errado, advertido pelo dançarino grego que de tal forma eu poderia machucar alguém (era a situação do meu estado de ânimo), recebi as instruções necessárias para a dança dos pratos.
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Confesso que, se eu soubesse dessa terapia de quebrar pratos, quem sabe eu não houvesse me divorciado. Realmente a sensação de ver os cacos se espalhando pelo chão,trás um alívio a alma e descarrega toda a tensão. Como a tensão era grande, não me fora suficientes as quatro dúzias. Resolvi então comprar mais três. Ao todo, foram mais de quatorze dúzias de pratos em cacos no chão ao final da festa.
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Ninguém mais lembrava de quem estava faltando. Apenas comorávamos os presentes.
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E a Festa Grega se revelou uma oportunidade fantástica de afastar os males. “Que todos os males se vão com esta louça”. Ao finalizar o show da banda grega, subi ao palco para cantar, aliviado e orgulhos dos reais amigos que realmente tenho, e com essa emoção, cantei para eles.
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Final de noite, sem faxineira também, eu e Luciano limpamos o bar até onde pudemos, mas precisaríamos de um transresíduos para levar os cacos embora. E realmente não é fácil, mas cheguei ao cansaço com a alma nova.
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Dia seguinte, o dia de meu aniversário, volto ao bar para lavar o chão e livra-lo de todo o gesso que jamais havia visto, e junto com Luciano e Carol, demos uma bela enganada no salão. Estamos prontos para o segundo dia de festa. Para esse segundo dia, no lugar do atendimento as mesas, convido minha sobrinha e uma amiga dela. Recebo o auxílio do Fábio e da Francielle, e o Luciano lá novamente. Pronto. O bar funcionou.
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Após servir no primeiro tempo de garçom, o segundo tirei de músico, e o terceiro, sem exitar, tirei de aniversariante. Quando pude observar o que acontecia, vi realmente o valor do que é verdadeiro. Eu percebi a diferença de quem faz e trabalha com vontade, com o ímpeto de auxiliar. Pude realmente perceber o valor de boas parcerias. Pude entender o quanto é importante ter por perto pessoas que realmente gostam de você.
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Com o mesmo sorriso no rosto, mas já superando a decepção, percebi que as lições que a vida traz, nem sempre com o carinho da tia Arlete do meu primeiro ano, são presentes do destino, que nos fazem envelhecer com alegria, valorizando o aprendizado, e aprendendo a evitar atalhos escuros, ou parcerias perigosas.
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Uma festa como a vida é, é capaz de nos propor cálculos. Quantos amigos você realmente precisa ao seu lado. Por que será que aos quarenta e dois anos, não temos quatrocentos e vinte amigos?
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Simples. Se tivéssemos todos esses amigos, não conseguiríamos nos dedicar de forma suficiente a eles, e com certeza, os perderíamos aos poucos, até que amarelassem em uma foto antiga. Percebi que a soma pode até chegar aos quatrocentos e vinte, mas não ao mesmo tempo, no mesmo lugar, e com o mesmo espírito.
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O vento do destino que sopra nossa pequena nau na imensidão da história, brinca alegre nos levando para lá e para cá, levantando tempestades que escurecem os céus, ou mesmo clareando o sol da calmaria. Trazendo nevoeiros que nos aconselham a parar, e voltando a abrir o tempo de nossa história. E nesse cardápio de sabores infinitos de alegrias e tristezas, a nossa história vai colocando frases, parágrafos, páginas e capítulos em nossas vidas, e para cada ponto, um amigo, dois ou mais, que passará por nosso tempo dividindo a odisséia de enfrentar uma tempestade, ou os prazeres de descansar noutra página.
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Aos amigos distantes então, dedico esse texto em agradecimento pelos dias vividos, e sabendo das mudanças dos ventos, espero que num futuro próximo, possamos desfrutar de nossa parceria em bons momentos, ou nos tempos ruins que nos servem de boas lições.
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Aos amigos presentes, agradeço a sensação de conseguir erguer um castelo onde não há pedras. Agradeço a sensação poderosa de fazer churrasco onde não há carne, e desejo que em breve, seja farto aquilo que nos faltou para desfrutarmos de tempos ainda melhores do que esses.
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A aqueles que julguei amigos, e que espreitaram sorridentes minhas dificuldades, pelos vãos dos buracos onde se escondem, agradeço a lição, pois ao encontrar essa estirpe de gente, passo a dar maior valor aos verdadeiros. E quem sabe por dar mais valor, quem sabe eu tente me esforçar mais para estar por perto dos amigos que os ventos me afastaram.
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Quem sabe ao perceber o real valor da amizade, eu possa me tornar uma pessoa mais fácil de gostar, de conviver e mesmo de ser amigo.
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A todos os meus verdadeiros amigos, independentemente se puderam ou não estar comigo nestes dias, agradeço demais, pela alegria da presença, ou pela saudade da ausência, pela emoção do abraço, ou pela ausência do aperto de mão.
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A Deus, agradeço pela oportunidade de viver a vida como ela é, aprendendo a cada dia, e percebendo o valor de cada momento bom da vida.
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Como disse a algum tempo, o importante são os presentes. O importante é a presença de todos os amigos verdadeiros, seja em nossa festa, seja em nossos momentos difíceis, mas sempre em nossos corações.
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Obrigado a todos.