A HISTÓRIA
Analice foi criada em uma família tradicional da capital paranaense. Bela, meiga, e desejada, Analice passou pela sua adolescência abalando os corações do jovens rapazes. Sabendo de seus predicados, Analice foi tomada pela exigência, e ao longo de sua vida colecionou relacionamentos onde partiu o coração dos pobres rapazes.
Tinha algo de intocável naquela época. Sempre havia algum rapaz interessado, e exatamente por isso, nunca eles conseguiam despertar interesse por mais de uma semana. Quando tudo parecia encaminhar-se para um namoro mais sério, lá estava Analice trocando os ares, os lugares. E mais um jovem caía ao chão pelas dores do coração.
Analice passou sua juventude assim, e o interesse que despertava nos rapazes, deu-lhe uma sensação de conforto, de segurança. Ela não se preocupava com o futuro de seus sentimentos, pois tinha uma certeza infantil de que tudo estava em suas mãos.
Mas o destino lhe reservou surpresas.
O HOMEM SEM CORAÇÃO
Sem avisar, um livro caído ao chão trouxe-lhe os mais belos olhos que já havia apreciado em um homem. Gentil, curvou-se e alcançou o livro ao chão. Enquanto o seu corpo se levantava, Analice ficou sem ar, contemplando aquele que seria o mais belo homem que já teria visto em toda a sua vida.
A cena de alguns segundos ficou gravada em sua memória como se fosse horas, e sem que Analice falasse qualquer coisa, o homem anotou seu telefone na contracapa do livro. Entregou, sorriu, e disse-lhe com a voz grave e sedutora: Espero que me ligue para agradecer.
Analice ligou, e já no primeiro encontro o destino tomou as rédeas dos fatos. O jantar não acabou em outro lugar que não fosse um belo motel com roupas espalhadas pelo chão. Analice não dormiu e ficou a admirar aquele homem maravilhoso. Era tão belo que seu apelido era Grego. Ela mal podia acreditar no que estava acontecendo. Era um sonho.
Entre noites tórridas de uma paixão invasiva, sua alma foi se curvando ao Grego. E assim foi por um ano, até que Analice sequer imaginava sua vida sem ele.
Mas chegado o momento caprichoso que o destino escolheu, Analice foi acordada de seu sonho por um golpe cruel. Analice descobriu que dividia seu grego com uma amiga. Propôs-se a perdoar a traição, mas o homem não pediu perdão, e sem uma lágrima sequer, apenas disse-lhe que não queria mais continuar aquele relacionamento. Deu-lhe as costas como se voltasse ao momento do livro ao chão. Nunca mais ligou e nem atendeu seus telefonemas.
Analice foi ao chão como seu livro, e não havia quem pudesse lhe resgatar.
Foi um ano inteiro em que o sol não nasceu para Analice, que se entorpeceu com outros homens incapazes de lhe fazer curar as feridas.
3) O HOMEM SEM CORAGEM
Em uma dessas noites, havia um homem que enquanto lhe ouvia, deixou cair uma lágrima. Era conhecido por Cal. Analice olhou aquilo encantada. E a magia era ainda maior. Ao longo daquela noite aquele homem tinha algo especial. Nos momentos de descontração, ria na hora exata e na medida exata. Nos momentos em que os pensamentos viravam palavras, ficava em silêncio até o momento perfeito, e como pura magia, só intervia precisamente e com as palavras corretas.
As noites foram se passando fazendo-os companheiros, até que, no momento mais apropriado, um beijo surgiu, com a intensidade exata, com a duração exata e com gosto de frutas de época. Até nisso era perfeito, entre laranjas, pêssegos e morangos, os beijos mudavam o sabor como acordes constroem uma melodia.
E a melodia fez de suas mãos uma união. Agora homem e mulher seguiam um curso perfeito. Uma serenidade era vista em sua aura, e a calma lhes fazia um casal sem igual. É bem verdade que este não era tão belo quanto o seu grego, mas a sua calma construía um charme especial, e fazia deste seu companheiro, ainda mais atraente do que aquele.
E os dias foram se trocando, de verão e inverno, outono e primavera, um patrimônio de história foi unindo aquele casal. Passados cinco anos, Analice concluía sua pós-graduação e tinha então a proposta de um belíssimo emprego em uma sólida empresa. A proposta lhe convidava a mudar de cidade, e nem isso lhe tirou a felicidade.
Com a calma de sempre, eles se sentaram para jantar e comemorar a conquista. Então Analice, embriagada pelo vinho da realização, indagou ao sensato sobre uma possível compra de um apartamento em conjunto. Teve como resposta o silêncio. E nas macaquices da embriagues riu do silêncio. Mas o silêncio gritava aos seus ouvidos, e na irritação do álcool da emoção, como leão, pela primeira vez na história dos dois, sons estridentes marcaram a conversa. Analice cobrava uma dívida emocional. Não havia uma razão sequer para que os dois não se casassem. Tinham o sentimento, tinham estabilidade financeira e profissional, e não tinham nada que os prendesse à capital paranaense.
O jantar acabou, mas a conversa durou ainda mais um ano. Sem a paz e a calma de outrora, o casal ainda tentava uma solução.
Chegou então o dia do destino. Sem bater a porta, o destinou entrou nessa história e colocou as temidas palavras na boca dele: Não quero me casar, não quero ter filhos e não estou pronto para isso. Sinto-me inseguro.
Como areia o castelo veio ao chão. Dessa vez não como o livro de outrora, mas como as lágrimas que escorreram do olho dele na primeira noite, e como aquele choro, secaram-se sobre a mesa do bar. Nem o sal ficou, pois a revolta de Analice veio como o pano que o garçom passou sobre a mesa.
E a partir dali, instalou-se na vida de Analice um sonoro nada.
De volta aos bares em solidão.
E na solidão Analice aprendeu a rir da tristeza. Analice aprendeu a viver sem esperar, respirar sem medo e sorrir sem motivo. O nada lhe fazia livre, inclusive para escolher a tristeza. Analice repelia prontamente qualquer proposta de seu coração. Sua razão havia se apoderado de suas atitudes.
4) O ESPANTALHO
E se ria sem motivos, qual não foi a surpresa ao ter motivos para sorrir. Com uma amiga havia ido ao Era Só o que Faltava. Havia ali um show de comédia. No palco, entre vários artistas que se revezavam, apareceu um palhaço de cara limpa. Era Caio
Um homem extremamente feio, mas que em suas piadas e expressões, fazia o público perder o fôlego. E lá veio o destino novamente. Um ator, começa lhe dirigir a palavra, e como se soubesse de sua vida, faz piada da sua tristeza. Primeiro irritada, depois aliviada, Analice aprendeu a rir da história como forma de dar sequência a ela.
Ao final do show, Analice foi surpreendida pela delicadeza do rapaz, que vem até sua mesa e lhe pede desculpas pelas suas piadas. Analice, já refeita da vergonha, dedica-lhe um belo elogio e um abraço, dizendo-lhe do bem que lhe havia feito o show. Um convite para sentar-se a mesa foi aceito, e a história seguiu assim.
Como o rapaz tinha o condão de lhe trazer alegria, Analice passou a sair com ele. E de forma surpreendente, seu repertório de alegrias era vasto e não se repetia. Seguiram-se noites e noites, e Analice resolveu devolver os carinhos do rapaz. Assim começaram um relacionamento sem pretensão. Dessa vez Analice era outra mulher. Não tinha a serenidade de antes, mas sorria muito. E até em suas explosões emotivas, em discussões com suas amigas, um sorrir era visível por trás da expressão dos nervos.
E o apartamento de Analice tinha agora um homem quase todos os dias. E o apartamento de Analice tinha agora um homem todos os dias, e todas as noites. Após dois anos dividindo o cobertor, Analice percebeu que não existem piadas para todos os dias, e que sentia-se incompleta. Não havia mais atração pelo rapaz. Analice parou de rir. E no lugar das piadas, o rapaz trazia-lhe agora suas dúvidas. Mas Analice não tinha respostas.
Um dia Analice acordou só. Nem um bilhete. Apenas um telefonema três dias mais tarde, dizia que alguém viria buscar suas roupas. Quando Analice perguntou o porque, recebeu como resposta o inimaginável. Simplesmente por que você nunca me respondeu de outra forma que não fosse apenas com perguntas.
Analice então sentou-se a pensar, e as repostas vieram cruéis. Analice não amava aquele homem, e por isso o seu relacionamento havia acabado. E não poderia pedir a ele que vivesse sob o império de suas dúvidas, governado por suas incertezas, pagando os impostos da insegurança.
Ele se foi, e Analice ficou aliviada, mas a tristeza dessa vez veio sem piadas.
5) O SONHO
E Analice voltou aos bares.
Depois de algum tempo, após aceitar um convite de um rapaz que conhecera em uma comunidade do Orkut, foi jantar com ele.
Interessante, bonito, inteligente e de fala articulada, o único problema parecia ser que o rapaz não tinha dinheiro. E o jantar foi agradável, e o vinho subiu mais do que de costume. E subindo mais o vinho, uma garrafa só não foi suficiente. Após a última taça ...
E agora?
Desculpa, mas você vai ter que assistir a peça para saber.
Texto de Samuel Rangel (estamos adaptando para teatro - em breve - aguardem)
Analice foi criada em uma família tradicional da capital paranaense. Bela, meiga, e desejada, Analice passou pela sua adolescência abalando os corações do jovens rapazes. Sabendo de seus predicados, Analice foi tomada pela exigência, e ao longo de sua vida colecionou relacionamentos onde partiu o coração dos pobres rapazes.
Tinha algo de intocável naquela época. Sempre havia algum rapaz interessado, e exatamente por isso, nunca eles conseguiam despertar interesse por mais de uma semana. Quando tudo parecia encaminhar-se para um namoro mais sério, lá estava Analice trocando os ares, os lugares. E mais um jovem caía ao chão pelas dores do coração.
Analice passou sua juventude assim, e o interesse que despertava nos rapazes, deu-lhe uma sensação de conforto, de segurança. Ela não se preocupava com o futuro de seus sentimentos, pois tinha uma certeza infantil de que tudo estava em suas mãos.
Mas o destino lhe reservou surpresas.
O HOMEM SEM CORAÇÃO
Sem avisar, um livro caído ao chão trouxe-lhe os mais belos olhos que já havia apreciado em um homem. Gentil, curvou-se e alcançou o livro ao chão. Enquanto o seu corpo se levantava, Analice ficou sem ar, contemplando aquele que seria o mais belo homem que já teria visto em toda a sua vida.
A cena de alguns segundos ficou gravada em sua memória como se fosse horas, e sem que Analice falasse qualquer coisa, o homem anotou seu telefone na contracapa do livro. Entregou, sorriu, e disse-lhe com a voz grave e sedutora: Espero que me ligue para agradecer.
Analice ligou, e já no primeiro encontro o destino tomou as rédeas dos fatos. O jantar não acabou em outro lugar que não fosse um belo motel com roupas espalhadas pelo chão. Analice não dormiu e ficou a admirar aquele homem maravilhoso. Era tão belo que seu apelido era Grego. Ela mal podia acreditar no que estava acontecendo. Era um sonho.
Entre noites tórridas de uma paixão invasiva, sua alma foi se curvando ao Grego. E assim foi por um ano, até que Analice sequer imaginava sua vida sem ele.
Mas chegado o momento caprichoso que o destino escolheu, Analice foi acordada de seu sonho por um golpe cruel. Analice descobriu que dividia seu grego com uma amiga. Propôs-se a perdoar a traição, mas o homem não pediu perdão, e sem uma lágrima sequer, apenas disse-lhe que não queria mais continuar aquele relacionamento. Deu-lhe as costas como se voltasse ao momento do livro ao chão. Nunca mais ligou e nem atendeu seus telefonemas.
Analice foi ao chão como seu livro, e não havia quem pudesse lhe resgatar.
Foi um ano inteiro em que o sol não nasceu para Analice, que se entorpeceu com outros homens incapazes de lhe fazer curar as feridas.
3) O HOMEM SEM CORAGEM
Em uma dessas noites, havia um homem que enquanto lhe ouvia, deixou cair uma lágrima. Era conhecido por Cal. Analice olhou aquilo encantada. E a magia era ainda maior. Ao longo daquela noite aquele homem tinha algo especial. Nos momentos de descontração, ria na hora exata e na medida exata. Nos momentos em que os pensamentos viravam palavras, ficava em silêncio até o momento perfeito, e como pura magia, só intervia precisamente e com as palavras corretas.
As noites foram se passando fazendo-os companheiros, até que, no momento mais apropriado, um beijo surgiu, com a intensidade exata, com a duração exata e com gosto de frutas de época. Até nisso era perfeito, entre laranjas, pêssegos e morangos, os beijos mudavam o sabor como acordes constroem uma melodia.
E a melodia fez de suas mãos uma união. Agora homem e mulher seguiam um curso perfeito. Uma serenidade era vista em sua aura, e a calma lhes fazia um casal sem igual. É bem verdade que este não era tão belo quanto o seu grego, mas a sua calma construía um charme especial, e fazia deste seu companheiro, ainda mais atraente do que aquele.
E os dias foram se trocando, de verão e inverno, outono e primavera, um patrimônio de história foi unindo aquele casal. Passados cinco anos, Analice concluía sua pós-graduação e tinha então a proposta de um belíssimo emprego em uma sólida empresa. A proposta lhe convidava a mudar de cidade, e nem isso lhe tirou a felicidade.
Com a calma de sempre, eles se sentaram para jantar e comemorar a conquista. Então Analice, embriagada pelo vinho da realização, indagou ao sensato sobre uma possível compra de um apartamento em conjunto. Teve como resposta o silêncio. E nas macaquices da embriagues riu do silêncio. Mas o silêncio gritava aos seus ouvidos, e na irritação do álcool da emoção, como leão, pela primeira vez na história dos dois, sons estridentes marcaram a conversa. Analice cobrava uma dívida emocional. Não havia uma razão sequer para que os dois não se casassem. Tinham o sentimento, tinham estabilidade financeira e profissional, e não tinham nada que os prendesse à capital paranaense.
O jantar acabou, mas a conversa durou ainda mais um ano. Sem a paz e a calma de outrora, o casal ainda tentava uma solução.
Chegou então o dia do destino. Sem bater a porta, o destinou entrou nessa história e colocou as temidas palavras na boca dele: Não quero me casar, não quero ter filhos e não estou pronto para isso. Sinto-me inseguro.
Como areia o castelo veio ao chão. Dessa vez não como o livro de outrora, mas como as lágrimas que escorreram do olho dele na primeira noite, e como aquele choro, secaram-se sobre a mesa do bar. Nem o sal ficou, pois a revolta de Analice veio como o pano que o garçom passou sobre a mesa.
E a partir dali, instalou-se na vida de Analice um sonoro nada.
De volta aos bares em solidão.
E na solidão Analice aprendeu a rir da tristeza. Analice aprendeu a viver sem esperar, respirar sem medo e sorrir sem motivo. O nada lhe fazia livre, inclusive para escolher a tristeza. Analice repelia prontamente qualquer proposta de seu coração. Sua razão havia se apoderado de suas atitudes.
4) O ESPANTALHO
E se ria sem motivos, qual não foi a surpresa ao ter motivos para sorrir. Com uma amiga havia ido ao Era Só o que Faltava. Havia ali um show de comédia. No palco, entre vários artistas que se revezavam, apareceu um palhaço de cara limpa. Era Caio
Um homem extremamente feio, mas que em suas piadas e expressões, fazia o público perder o fôlego. E lá veio o destino novamente. Um ator, começa lhe dirigir a palavra, e como se soubesse de sua vida, faz piada da sua tristeza. Primeiro irritada, depois aliviada, Analice aprendeu a rir da história como forma de dar sequência a ela.
Ao final do show, Analice foi surpreendida pela delicadeza do rapaz, que vem até sua mesa e lhe pede desculpas pelas suas piadas. Analice, já refeita da vergonha, dedica-lhe um belo elogio e um abraço, dizendo-lhe do bem que lhe havia feito o show. Um convite para sentar-se a mesa foi aceito, e a história seguiu assim.
Como o rapaz tinha o condão de lhe trazer alegria, Analice passou a sair com ele. E de forma surpreendente, seu repertório de alegrias era vasto e não se repetia. Seguiram-se noites e noites, e Analice resolveu devolver os carinhos do rapaz. Assim começaram um relacionamento sem pretensão. Dessa vez Analice era outra mulher. Não tinha a serenidade de antes, mas sorria muito. E até em suas explosões emotivas, em discussões com suas amigas, um sorrir era visível por trás da expressão dos nervos.
E o apartamento de Analice tinha agora um homem quase todos os dias. E o apartamento de Analice tinha agora um homem todos os dias, e todas as noites. Após dois anos dividindo o cobertor, Analice percebeu que não existem piadas para todos os dias, e que sentia-se incompleta. Não havia mais atração pelo rapaz. Analice parou de rir. E no lugar das piadas, o rapaz trazia-lhe agora suas dúvidas. Mas Analice não tinha respostas.
Um dia Analice acordou só. Nem um bilhete. Apenas um telefonema três dias mais tarde, dizia que alguém viria buscar suas roupas. Quando Analice perguntou o porque, recebeu como resposta o inimaginável. Simplesmente por que você nunca me respondeu de outra forma que não fosse apenas com perguntas.
Analice então sentou-se a pensar, e as repostas vieram cruéis. Analice não amava aquele homem, e por isso o seu relacionamento havia acabado. E não poderia pedir a ele que vivesse sob o império de suas dúvidas, governado por suas incertezas, pagando os impostos da insegurança.
Ele se foi, e Analice ficou aliviada, mas a tristeza dessa vez veio sem piadas.
5) O SONHO
E Analice voltou aos bares.
Depois de algum tempo, após aceitar um convite de um rapaz que conhecera em uma comunidade do Orkut, foi jantar com ele.
Interessante, bonito, inteligente e de fala articulada, o único problema parecia ser que o rapaz não tinha dinheiro. E o jantar foi agradável, e o vinho subiu mais do que de costume. E subindo mais o vinho, uma garrafa só não foi suficiente. Após a última taça ...
E agora?
Desculpa, mas você vai ter que assistir a peça para saber.
Texto de Samuel Rangel (estamos adaptando para teatro - em breve - aguardem)