sexta-feira, 5 de setembro de 2008

FILHOS. COMO PODEREMOS GANHAR ESSA QUESTÃO?

Aquela coisinha bonitinha (e normalmente é bonitinho só para os pais), que dormia em meu peito o sono dos justos, cresceu e não precisa mais de minha mão para trocar seus passos. Hoje já dispara em desabalada carreira pelas escadas da escola. Ele nem precisa mais de minha colher para comer. Tem seus próprios tostões juntados na mesada que a mãe lhe dá, para ir até a cantina e comprar alguma porcaria.

Uma vez ouvi de um amigo que quanto mais o tempo passa, mais os pais ficam órfãos dos filhos. Tal frase é tão verdadeira, que vez por outra me faz olhar para meu filho já com saudades de amanhã. Mas antes do orfanato paterno, entre o parto e o dia do vôo do filho, temos as fases que devem ser vencidas.

E nestas fases vivi a guerra com os cobertores bem regurgitados de macarrão e suco de uva (não poderia ser algo sem cor?), que me fez escrever uma crônica que já estampa este espaço ( http://anjosboemios.blogspot.com/2008/05/o-filho-o-pai-e-os-dois-cobertores.html ). Foi numa destas fases que ele, com sua simplicidade, resumiu a história de Jesus Cristo em não mais que trinta segundos, acusando os Reis “Magros” de terem seguido a estrela de Belém, encontrado Jesus e o pregado na Cruz. Foi numa destas fases, mais precisamente aos três anos dele, que quando indaguei se poderia namorar aquela menina, ele apenas respondeu, com uma cátedra proverbial: Pode. "É só ela não estressar com você" !( http://anjosboemios.blogspot.com/2007/09/meu-filho-um-filsofo-samuel-rangel.html ).

E assim são os filhos, mas quanto mais ficamos órfãos, mais nos curvamos à "Sua Alteza, O Filho".
E chega o tempo em que as artes na escola extrapolam as aulas de Educação Artística. A pouca idade e quase nenhuma experiência, fica evidenciada pela equivocada escolha dos amiguinhos. Normalmente os mais “espoletas” são mais engraçados. E assim, hábitos novos que não são os de casa, surgem no comportamento de nossos filho. E lá está o pai a tentar aconselhar o filho a não cometer tal erro. O problema disso é que o pai, com toda a sua moral de pai, já vem desmoralizado pelo fato de, lá no fundo, saber que cometeu aqueles mesmos erros. Não há como olhar para o filho, e bloquear as lembranças daquela nossa fase. Isso facilita a conversa.

Porém, e em que pese todos os conselhos de psicólogos, psicopedagogos, profissionais de quem tantas vezes tentamos nos socorrer, e mesmo tantos outros profissionais da área, sou pai, e não sou um pai profissional. Sou um pai amador sim. Exerço a paternidade por amor. Tenho certeza que meus métodos não são os melhores, e tenho o bom senso de confessar os meus erros cometidos na tentativa de tantos acertos.

Se errei ou não, não sei, mas os fatos se passaram recentemente.

.............

Na primeira arte no colégio, lá está o pai, com olhos grossos de irritação, mas que mantêm a linha para não extrapolar os muitos deveres e poucos direitos da paternidade. Um mês sem videogame. Senteça prolatada.

Na segunda, nova presença, nova audição da pouca melódica denúncia sobre as artes cometidas. O castigo agora é sem tempo determinado. Dessa vez surge nos olhos do menino de seis anos uma certa maturidade. Parece que vamos vencer.

Aos pais que estão para passar por essa situação, tranqüilizo-os desde já que alcançar a vitória é impossível, pois na realidade a vitória vem antes do esforço. A vitória é ser pai. Ser pai, é como um mandato eletivo. Depois que você ganha o título, é só obrigação.

Nesse cabo de guerra com o moleque, entre uma conversa e outra com a professora, surge agora um moleque de oito anos que se diz pré-adolescente. Com gel no cabelo, óculos escuros, e com uma gíria própria da geração. Nós? Deixamo-os na escola e vamos trabalhar. Na realidade, se tivéssemos condições e juízo, deveríamos sair direto do portão da escola e fazer uma vigília na igreja enquanto os moleques estão na escola, rezar por um relato de um bom comportamento ao final do dia.

Foi assim que recentemente novas ocorrências foram surgindo na escola, e novos castigos. Em uma dessas ocasiões, então resolvi falar com o moleque como ele gostaria:

- Você é pré-adolescente? Então vai agir como tal. Chega dessas criancices (senti-me mal nesse momento, mas deu certo).

E foi assim que as ocorrências foram diminuindo. Voltamos a comer pipoca ao final da aula nos dias em que eu ia busca-lo na escola. Voltamos a conversar sobre trânsito, futebol, e coisas que ele viu no programa “Caçadores de Mitos”. Fiquei até surpreso ao saber que há pouco tempo, a Discovery dedicou um programa a descobrir se é o refrigerante, o feijão ou o a massa que provoca maior flatulência. Pode?

Há algum tempo, as artes ressurgiram, e com elas, o pai carrancudo, as conversas menos amigáveis e os castigos. Numa dessas oportunidades, sabendo que se tratava de algo não tão grave, decidi ser racional, e usando de maiêutica, com indagações fui tentando construir através do uso do silogismo um conhecimento útil para o rapazinho.

Foi mais ou menos assim. Já no carro, no trânsito que não andava, eu fui perguntando a ele se ele tinha consciência do que estava acontecendo:


O DIÁLOGO

(Para facilitar a transcrição do diálogo, usei a abreviatura “P” de pai para o pai, e “F” de filho para o filho. Esperto, não?)

P - Meu filho. Você sabe que você está passando dos limites?
F - Eu sei pai.
P – Eu tenho conversado contigo, tenho explicado as conseqüências para você, mas não tem adiantado. Isso tem deixado o pai bem triste.
F – Eu sei pai.
P – Desse jeito eu vou ter que tomar uma atitude. Não é possível que as coisas continuem assim.
F – Eu sei pai.
P – Você acha que seu pai fica feliz ao chegar na escola e receber estas notícias? Toda vez que isso acontece eu fico extremamente decepcionado.
F – Eu sei pai.
P – Não é bom ouvir as pessoas na escola reclamando do filho da gente. Eles podem pensar que eu e sua mãe não lhe damos educação. Eles cobram da gente algo que a gente está tentando fazer.
F – Eu sei pai.
P – E da mesma forma sua mãe deve pensar que quando você vem para a minha casa, tudo vira festa. Sua mãe vem reclamar comigo depois sobre isso.
F – Eu sei pai.

E a conversa foi seguindo, seguindo, seguindo, sem que a resposta do piá mudasse. Eu sei pai, eu sei pai, eu sei pai, até que não agüentei mais. Então, e que me perdoem as psicólogas, eu estourei mesmo.
P – Escuta aqui moleque. Você não vai falar com seu pai? Você está brincando comigo? Eu estou aqui falando contigo e você fica apenas com essa história de “eu sei pai, eu sei pai, eu sei pai”? O que é isso? Chega disso. Agora você vai falar com seu pai. Que história é essa? Se você sabe de tudo isso, por que não muda essa situação? Eu cansei disso. E outra coisa. Você fica aí dizendo eu sei pai, eu sei pai, eu sei pai, enquanto a situação esta desse jeito. Você acha que sabe de tudo moleque?
F – Pai. Posso falar?
P – Claro. Estou esperando.
F – Pai. Eu também sei que não sei tudo.


Agora eu pergunto ao leitor: Qual a melhor atitude para um pai numa situação dessas?

a) Proibir o moleque de ler a Recreio;
b) Parar o carro e mandar o moleque fazer 10 flexões;
c) Trinta e sete anos sem videogames;
d) Calar-se e concentrar-se em um “mantra interior para busca da paz em seu próprio eu”;
e) Nenhuma das alternativas anteriores está 100% correta.

Como na maior parte das questões relativas à paternidade, não há uma resposta 100% correta, e você deveria ter marcado a alternativa “e”.

Mas se você é pai, com certeza nesta situação você, nos braços desse amor cego pela criatura que está no banco de trás, você não consegue ter a resposta correta, e no turbilhão desse sentimento paterno, você vai acabar misturando as repostas, proibindo o moleque de fazer flexões, ou lendo a Recreio para ver como se para o carro, ou ficar calado em frente ao videogame, ou iniciar um mantra de trinta anos em busca do seu próprio eu.

A verdade é que não temos como ganhar uma questão dos nossos filhos. Quando a paternidade nos vem, temos que exercê-la da forma que ela é. Intensa e não tão racional.

Essa é a hora em que se encerra a conversa com um filho, e a frase tão criticada por nós mesmos, volta a nossa boca com o eco da voz de nossos pais.

“É ASSIM POR QUE EU SOU SEU PAI E PRONTO!”

Em que pese a fragilidade do argumento, essa é uma frase que põem fim a uma batalha entre pai e filho, e restabelece a harmonia frágil de um relacionamento irracional, fundamentado só no amor, com um conflito que jamais poderemos vencer.

PARA DESCONTRAIR – O TORNEIO DE XADREZ



Campeonato de Xadrez, marcado provocativamente para as 8:30 da madrugada de sábado. Para piorar a situação, o filho vem manifestando há mais de quinze dias a intenção de participar desse torneio.

Para complicar de vez a situação do treinador aqui, na sexta-feira anterior, havia um aniversário de um amigo no bar e eu havia me comprometido a fazer a música. E lá vai o amigo músico treinador tocar até as quatro em meia da madrugada. O amigo músico treinador humano chega em casa as cinco e meia da manhã, e acorda as sete para levar o filho para o empolgante torneio de xadrez.

Então as oito horas, o motorista amigo músico treinador humano, pega seu bólido (insisto em não chamar minha condução de carro), e leva o moleque ao local do torneio. Lá chegando, descobre que não poderá assistir nenhum dos jogos do seu campeão, e poderá tão somente torcer do lado de fora do ginásio, sem sequer poder enxergar as mesas onde os jogos acontecem. Então o torcedor motorista amigo músico treinador humano se posta em frente a televisão de vinte polegadas para assistir à final olímpica do voley feminino.

Cerca de quinze minutos depois do começo da primeira rodada, o torcedor motorista amigo músico treinador humano vê seu filho sair com a primeira vitória.

Durante os próximos 45 minutos, que antecedem o início da próxima rodada, o orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, vê seu filho deixar de torcer para o Brasil e se embrenhar no grande jardim do colégio brincado compulsivamente com os coleguinhas de torneio.

Começa a segunda rodada, e cerca de três minutos depois, o filho sai do ginásio. Indagado sobre o resultado da partida, ele apenas responde: Perdi pai. O pai insiste: Mas como foi o jogo? O filho responde que perdeu a dama. O pai insiste e pergunta: Tudo bem. Mas como foi o xeque mate? Então o filho diz: Eu desisti.

Naquele momento o não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, comunica ao filho que não se deve desistir de uma partida simplesmente por perder uma dama. E volta o preocupado não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano a assistir ao jogo Brasil e Estados Unidos. Mas quando os técnicos do voley pedem tempo, o investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, percebe que seu filho está extrapolando nas brincadeiras com os amiguinhos. Resolve não interferir na situação. Pensa ser melhor deixar o moleque brincar um pouco.

Sem intervir, apenas observa, e espera o resultado da terceira rodada. As onze horas da manhã, o serviço de alto-falantes chama os pequenos competidores aos tabuleiros do ginásio. E lá vai meu filho. Volto a torcer para o Brasil

Acaba o jogo de voley, e o Brasil é campeão olímpico feminino, são entregue as medalhas, as americanas choram. Tudo parece perfeito.

Quando é quase hora de almoçar, estranho a ausência do meu filho. Vou até a porta do ginásio, e não o vejo. Pergunto ao professor e sou informado que ele saiu tão logo a rodada começou. Ao perguntar o resultado da terceira partida, o professor me informa que ele perdeu.

Tudo bem, o compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, vai procurar o filho no páteo enorme da escola. Quando o encontro, vejo-o se pendurando em uma pequena árvore que parece pedir socorro, enquanto um amigo seu o incentiva a quebrar a árvore.

Irado, o compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, repreende o filho e o convida ao almoço em casa, não sem antes, passar por uma conversa no caminho, onde o seu comportamento será dissecado, e será avaliado o retorno para as três rodadas restantes no período da tarde.

É hora da conversa. E da conversa, deverá surgir um conselho.

Na conversa, percebo que o gênio do meu filho, achou mais interessante brincar de madeireiro com seus amiguinhos do que jogar o campeonato de xadrez. Pronto. Pense numa pessoa tensa. O pai sente-se ofendido, por ter que acordar tão cedo para levar seu filho para atentar contra a natureza.

Então o ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, resolve que não retornará ao turno da tarde. O filho insiste. E o pai simplesmente diz que percebeu que o filho veio para brincar, e não para jogar. Brincar é coisa que se pode fazer em casa, e não precisamos acordar de madrugada para tal compromisso.
O filho insiste que não. Que realmente quer jogar.

O conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, então faz um acordo com o filho: Voltamos a tarde só para jogar. As brincadeiras com os amiguinhos estão proibidas. Ok? O filho concorda.

O almoço transcorre em silêncio. O cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano consegue descansar durante quinze minutos, até que o filho o acorda e adverte da hora para voltar ao campeonato.

A dupla chega quinze minutos antes da quarta rodada. O filho pede ao pai que compre um pequeno tabuleiro de xadrez, e pede para treinar um pouco antes do próximo jogo. As 14 horas chamam os competidores e o brincalhão do meu filho.



No período da tarde, a televisão sumiu, e não havia um lugar para se sentar enquanto se esperavam os filhos. Não havia jeito. O negócio era só esperar mesmo.

Passam-se 10 minutos e nada do filho sair. Passam-se vinte, e não passam sozinhos. Trinta, quarenta, cinqüenta minutos, e o desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, começa procurar a segurança do evento, pois já pensava que seu filho havia sido seqüestrado.

Uma hora e dez minutos depois do início da quarta rodada, surge o moleque com o punho de Pelé, já dando sinais de sua vitória. Ao chegar perto do aliviado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, o filho informa que ganhou, mas quase perdeu, pois logo nos primeiros lances, saiu em desvantagem com uma torre, um bispo, um cavalo e um peão. O esforço e concentração durante aquela hora é que havia revertido o resultado do jogo. Então o realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano convida o filho para usar o tabuleiro de mão para uma partida rápida.

Passamos um partida relâmpago, e o piá voltou para a quinta rodada. A espera começa para o dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano. A quinta rodada leva cinqüenta minutos que atentam contra as pernas do dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano. Mas a recompensa vem ao final. Mais uma vitória e de virada.

Não há tempo para outra partida relâmpago, e o filho retorna rapidamente para a última rodada. São quatro horas da tarde, e a maratona está para acabar. Nova espera para o ansioso dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, e dessa vez, não há de se esperar uma vitória. A rodada é difícil, e é previsível um resultado negativo. A ansiedade é fruto da necessidade de descanso.

Outros cinqüenta minutos se passam, e ao final o moleque sai e dá um pulo e um soco no ar, repetindo o ato de comemoração inventado por Pelé. O surpreso ansioso dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano recebe o filho comemorando. O professor também comemora o resultado imprevisível.

O momento aconselha a sensatez. Então o sensato ansioso dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano pergunta ao filho se ele percebe a diferença entre as partidas da manhã e as da tarde. Diz ao filho que poderia ter chego ao final do torneio numa posição bem melhor, mas como incentivo, o sábio sensato ansioso dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano, por sua própria conta, considerando que o garoto não havia perdido uma só partida no período da tarde, decreta-o

CAMPEÃO DA TARDE.


O menino não recebeu medalhas, mas recebeu uma bela lição e um título de consolação.
Quanto ao sábio sensato ansioso dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano? Este foi pai.

Sim. Ser pai é tudo isso: sábio sensato ansioso dolorido dedicado realizado desesperado cansado conselheiro ofendido irado não tão compreensivo investigador não tão orgulhoso torcedor motorista amigo músico treinador humano. E é ser tudo isso sem vírgulas, pois na realidade, você tem que ser isso em um único período.

Quem sabe essa coleção de definição de emoções, sem vírgula, seja o início da elaboração do melhor conceito de pai.

Sou pai. Graças a Deus!