Há aqueles que dizem que sou pessimista em relação ao casamento, porém, em minha defesa, gostaria de dizer que não é verdade. Como eu poderia ser pessimista em relação ao crepúsculo da vida de solteiro?
Mas independente daquilo que penso em relação à “Extrema Unção dos Solteiros”, a verdade é que depois que a coisa acontece, os envolvidos tentam de todas as formas preservar o casamento, e essa missão não é fácil. Quando o uso do banheiro dispensa a porta fechada, quando a máscara de limpeza estampa o rosto da mulher amada, ou mesmo quando as unhas são cortadas sobre o sofá que ela tanto pediu para comprar, a coisa começa a degringolar. Pronto! Já temos a realidade do casamento.
Dividir a cama com aquela pessoa gripada, ou embalar o sono com a melodia de um poderoso ronco que as vezes dura mais que a própria noite, começam a fazer dessa intimidade um verdadeiro martírio. Mas os mártires não desistem. E quando a estrutura do relacionamento começa a apresentar os primeiros sinais de fadiga, os engenheiros do amor entram em cena com toda sua genialidade.
Em revistas femininas é comum que as mulheres encontrem matérias que as aconselhem a se embrulhar em papel celofane para aguardar a chegada do marido e apimentar a relação. Com a máxima vênia, gostaria de lembrar as repórteres envolvidas nessas matérias, que com o passar do tempo, o homem já não enxerga mais a mulher como um bombom de morango. E normalmente, as brincadeiras fazem parte da intimidade, o que torna bem pouco difícil que um marido engraçadão caia na gargalhada ao olhar para a mulher, sem deixar de dizer que se ela é um bombom, o chocolate esta derretendo pelo pacote.
Se a idéia é salvar o casamento, acho que outras idéias podem ser mais interessantes, e ainda acho bom lembrar que expor um dos dois ao ridículo nessa fase ruim do matrimônio, não é de todo aconselhável.
E nós homens, quando tentamos reabilitar o relacionamento, também não temos maior sutileza que um Dog Alemão brincando na cristaleira, pois na realidade, nossa eterna infância, dominada pelo egoísmo silencioso que nos faz assistir ao campeonato brasileiro com a paixão que elas gostariam que dedicássemos a elas, faz de nossas atitudes pérolas de genialidade sem noção.
Exemplo disso, é aquele cidadão que no dia do aniversário de casamento, resolve ser romântico. Um homem quando tenta ser romântico, deve tomar muito cuidado, pois a falta de habilidade nesta seara, pode causar verdadeiras catástrofes. O cidadão barrigudo, sempre afeito a cerveja, na noite romântica resolve regar a noite com vinho. Depois da quarta garrafa, o que se tem é um motor de Mercedes 608 roncando na cama, enquanto a mulher com o espartilho vermelho novinho, fica pensando em quem vai ficar com o filhote de poodle que ele deu para ela.
Tem um certo amigo meu que tentou salvar o casamento com alguns dias numa bela casa de uma praia deserta. Hoje é colega nosso de boteco, e vem engrossar a estatística dos divorciados.
Segundo ele conta, a discussão começou no momento de organizar o porta-malas do carro, pois ela não queria que ele levasse a churrasqueira de latão que tanto ele gostava. Ele havia programado de fazer uma deliciosa costela na praia. Para ela, costela não era exatamente a idéia de uma noite romântica. Após muita discussão, o cidadão conseguiu negociar a inclusão na carga de um Gengiskan.
Após a discussão que quase acabou no fórum, desencadeando o divórcio, finalmente entraram no carro e seguiram pela estrada. Este foi o segundo erro. Se a idéia é salvar o casamento, é uma boa idéia evitar as situações de confronto evidente. É lógico que durante as seis horas de estrada, o casal discutiu inúmeras vezes em relação àquela ultrapassagem, em relação à velocidade compatível com aquela curva, e inclusive em relação ao momento de desligar o limpador de parabrisas.
Quando chegaram ao destino, não houve clima suficiente para uma tentativa de intimidade sequer. Cansados e estressados, eles acabaram por tomar a cama com as nádegas uma para o outra. Sexo? Nem pensar. Se não conseguiam nem se olhar, era de pouco inteligência arriscar um toque.
Na manhã seguinte, ele acordou de bom humor, resgatando seu plano mirabolante para salvar o casamento. E logo foi cutucando a mocinha para convidá-la para ir a praia, descansar tranquilamente embaixo de um guarda-sol. Ela já não levantou com o melhor dos humores, e de pouca fala, iniciou a passagem de cremes e do bloqueador solar. Enquanto ela se ocupava com as coisas de mulher, ele foi agir como homem. Terceira cagada. No isoporzinho azul com a tampa amarelada, ele tirou as uvas, o melão e os pêssegos que ela tinha deixado lá, enchendo aquela geladeirinha de pobre com cerveja.
Após andar cerca de quinhentos metros até a praia, por onde ele a fez carregar as cadeiras e o guarda-sol, para poder se ocupar apenas do isopor, escolheram o melhor lugar numa praia deserta. Após ela montar o guarda-sol, ainda em silêncio, abriu a cadeira e se sentou. Após um suspiro, olhou para ele e pediu para que ele passasse a água e um cacho de uvas. Quando ele informou que as uvas não foram à praia, ela apenas abriu o isopor, olhou as 24 cervejas em meio ao gelo, passou a mão revirando o gelo como se tentasse achar algum grão de uva perdido. Nada. Ele realmente havia feito isso. Então ela apenas levantou, falou um “puta que pariu” baixinho e colocou-se no caminho de casa.
Ele permaneceu sentado, imaginando que ela iria buscar a uva. Quinhentos metros para ir, mais quinhentos para voltar, cerca de um quilômetro depois ela estaria de volta com a uva. Enquanto esperava, ele viu um barco de pescador chegando, e como todo homem curioso, foi lá pesquisar o que estava na rede. Como todo chato, levou uma cervejinha para tentar corromper o pescador para que contasse a ele os insondáveis segredos do mar e da pescaria. Ele conseguiu. Começou uma conversa com o pescador, e ali se deteve em detalhes de como pegar cação, onde encontrar robalos, a melhor forma de pescar uma garoupa. Como a sede do pescador era de quem vinha da água salgada, foram cerca de seis cervejas para cada um. Com a aula de pescaria, o cidadão esqueceu da esposa que não voltou com a uva. Aquele palavrão baixinho já informava que ela não voltaria, mas ele se perdeu em sua masculinidade egocêntrica e não percebeu a grande cagada que havia feito.
Mas agora havia um problema. Ele não tinha como carregar tudo para voltar para a casa. Ele até lembrou daquele carrinho de praia que estava em promoção no Carrefour. Foi tolice não ter comprado. Então ele imaginou que ela voltaria para ajuda-lo com as coisas. Mas é claro que ele estava enganado. Ela estava emputecida da vida com ele. A última coisa que um homem pode esperar, é de parceria quando a mulher está pelo pescoço com ele.
Quando acabou a cerveja do isopor, ele com a habilidade de um bêbado, conseguiu ter a idéia de segurar a tampa do isopor com a boca, engatar o isopor na ponta do guarda-sol, e com a outra mão levar as cadeiras. Como ele não conseguiu pegar as duas cadeiras, a cadeira maior que era dela, resolveu pedir para colocar no barco do pescador, e depois voltaria para buscar.
E ele foi de malabarismo andando até a casa alugada. O sol a pino lhe causava tonturas maiores que a da cerveja, e ao chegar em casa, percebeu que as coisas não estavam bem para o seu lado. A sua mulher estava trancada no quarto. Ele tentou, bateu na porta, falou manso até que a porta se abriu. Quando ele sorriu para ela, ela de pronto peguntou: Onde está minha cadeira? Quando ele disse que estava na praia ela iniciou um repertório completo de palavrões de mulher casada. Como ele não conseguiu interrompe-la para explicar, após o surto psicótico ele resolveu ir buscar a cadeira na praia. Como o leitor já deve imaginar, na praia não havia mais cadeira, nem barco e nem pescador.
Ao retornar para a casa, silenciosamente ele teve a idéia. Pegaria o carro e sairia para comprar uma cadeira igual para ela, sem que ela percebesse nada. Tudo seria resolvido. Chegou em casa, e sem falar nada, pegou as chaves do carro e foi para o centro da vila. Lá chegando, ele percebeu que nunca tinha atentado para a cor da cadeira dela. Após se esforçar um monte, achou algo que julgava ser parecido. Após um bom tempo, chegou em casa, e sem falar nada levou a cadeira para os fundos. Quando entrou em casa, ela já estava explodindo em nervosismo, indagando a ele por que havia demorado tanto para ir até a praia se ele havia ido de carro. Ele não tinha resposta, e mais uma vez ela se trancou no quarto. Então ele percebeu que precisava descansar.
Deitou-se na rede e apagou. Acordou já eram quase seis horas da tarde. Ela não estava em casa. Ele então teve um súbito de bom senso e percebeu que até então, só havia feito cagada. Decidiu então que iria arrumar a situação. Percebeu que teria que pensar em algo romântico para a noite.
Ele foi até uma peixaria e comprou uma bela tainha. Lembrou-se de uma ótima receita de “tainha no buraco”. Após temperar a tainha e embrulhá-la em um papel alumínio, comprou mais uma caixa de cerveja e deixou tudo no carro. Foi até a praia e juntou madeiras para uma grande e romântica fogueira. Cavou um buraco a cerca de uns dez metros da fogueira, fez o braseiro, e enterrou a tainha. Após deixar tudo pronto, ainda teve a idéia de comprar um champanhe para regar a noite romântica.
Ao chegar em casa deitou-se no quarto e resolveu fazer uma surpresa para mulher. Cerca de uma hora depois, e já eram quase oito da noite, ela chegou. Como todo homem, um ser naturalmente sem noção, quando ela chegou ele perguntou: O que você vai fazer para o jantar? Ela respondeu com um linguajar que não pretendo usar neste espaço. Após outro surto, ele conseguiu explicar que era brincadeira, e ele havia preparado tudo para a noite. Ele ainda prometeu que seria uma noite romântica.
Quando ela se acalmou, ele a colocou no carro e foi até a praia. Como ele havia preparado tudo, resolveu colocar o carro na areia para colocar um som romântico perto da fogueira. Ela se surpreendeu com a atitude. Será que ele finalmente havia feito algo certo? Eles se sentaram ali, abriram a champanhe, e começaram a falar sobre os problemas do casamento. Pela primeira vez estavam conseguindo se comunicar com certa educação. Discutiram de forma civilizada a relação.
Agora tudo parecia caminhar para a paz conjugal.
Mas como havia um homem na conversa, as coisas não poderiam dar tão certo assim. Depois que tomaram a champanhe, ele foi para a cerveja. E ele já não vinha bem pela quantidade que havia tomado ao longo do dia. Como ela previa, ele se empolgou na cerveja. Nesse momento ela esboçou uma crítica, mas manteve-se em silêncio para não acabar com a noite.
Quando já era meia noite, por volta da oitava cerveja, ele já não estava tão sóbrio, mas era hora de saborear a “tainha no buraco”. Ele se levantou cambaleando e foi abrir o buraco. Ao abrir o buraco, nada de tainha, e nada de braseiro. Outro buraco e nada. E mais um, e outro, e um novo buraco e nada. Após escavar metade da praia sob o olhar descrente da sua esposa, ele percebeu que havia perdido a tainha. Ela olhava para ele tentando imaginar o motivo de ter casado com uma criatura daquela. Então ele se propôs a levá-la para jantar em algum lugar.
Ainda havia uma salvação para a noite.
Ao tentar movimentar o carro, ele havia encalhado. Mas homem que é homem sabe sair dessas situações. Pegou uma camiseta dela que estava no carro, molhava com água e torcia molhando a areia sob as rodas. E as rodas enterravam mais e mais.
Como durante esse procedimento ele deixou a luz e o som ligado, como você pode imaginar, não demorou para ele ficar sem baterias. E como você também pode imaginar, não demorou para a maré subir e inundar o carro. E como você com certeza já sabe, não demorou para a mulher dele deixar ele sozinho na praia, bebendo cerveja e contemplando as lambidas que o mar dava na porta do seu carro.
Como tudo é previsível, ela voltou para Curitiba de ônibus no dia seguinte, e ele resolveu ficar os outros seis dias para arrumar o carro, e aproveitar o aluguel da casa. E é lógico que quando chegou, a fechadura da casa havia sido trocada.
Sim. Ela ficou com o apartamento e ele ficou com o carro, embora tenha vendido o carro recentemente por um valor bem abaixo do mercado. Mas na separação ele também ficou com a churrasqueira de latão, que hoje está na casa do cunhado dele. Ficou também com as duas cadeiras de praia e com o isopor..
A moral da história?
As vezes, para salvar seu casamento, não faça absolutamente nada. Qualquer tentativa pode desencadear o divórcio.