quarta-feira, 17 de setembro de 2008

UMA IDÉIA INFELIZ PARA SALVAR UM CASAMENTO (Samuel Rangel)


Há aqueles que dizem que sou pessimista em relação ao casamento, porém, em minha defesa, gostaria de dizer que não é verdade. Como eu poderia ser pessimista em relação ao crepúsculo da vida de solteiro?


Mas independente daquilo que penso em relação à “Extrema Unção dos Solteiros”, a verdade é que depois que a coisa acontece, os envolvidos tentam de todas as formas preservar o casamento, e essa missão não é fácil. Quando o uso do banheiro dispensa a porta fechada, quando a máscara de limpeza estampa o rosto da mulher amada, ou mesmo quando as unhas são cortadas sobre o sofá que ela tanto pediu para comprar, a coisa começa a degringolar. Pronto! Já temos a realidade do casamento.


Dividir a cama com aquela pessoa gripada, ou embalar o sono com a melodia de um poderoso ronco que as vezes dura mais que a própria noite, começam a fazer dessa intimidade um verdadeiro martírio. Mas os mártires não desistem. E quando a estrutura do relacionamento começa a apresentar os primeiros sinais de fadiga, os engenheiros do amor entram em cena com toda sua genialidade.


Em revistas femininas é comum que as mulheres encontrem matérias que as aconselhem a se embrulhar em papel celofane para aguardar a chegada do marido e apimentar a relação. Com a máxima vênia, gostaria de lembrar as repórteres envolvidas nessas matérias, que com o passar do tempo, o homem já não enxerga mais a mulher como um bombom de morango. E normalmente, as brincadeiras fazem parte da intimidade, o que torna bem pouco difícil que um marido engraçadão caia na gargalhada ao olhar para a mulher, sem deixar de dizer que se ela é um bombom, o chocolate esta derretendo pelo pacote.


Se a idéia é salvar o casamento, acho que outras idéias podem ser mais interessantes, e ainda acho bom lembrar que expor um dos dois ao ridículo nessa fase ruim do matrimônio, não é de todo aconselhável.


E nós homens, quando tentamos reabilitar o relacionamento, também não temos maior sutileza que um Dog Alemão brincando na cristaleira, pois na realidade, nossa eterna infância, dominada pelo egoísmo silencioso que nos faz assistir ao campeonato brasileiro com a paixão que elas gostariam que dedicássemos a elas, faz de nossas atitudes pérolas de genialidade sem noção.
Exemplo disso, é aquele cidadão que no dia do aniversário de casamento, resolve ser romântico. Um homem quando tenta ser romântico, deve tomar muito cuidado, pois a falta de habilidade nesta seara, pode causar verdadeiras catástrofes. O cidadão barrigudo, sempre afeito a cerveja, na noite romântica resolve regar a noite com vinho. Depois da quarta garrafa, o que se tem é um motor de Mercedes 608 roncando na cama, enquanto a mulher com o espartilho vermelho novinho, fica pensando em quem vai ficar com o filhote de poodle que ele deu para ela.


Tem um certo amigo meu que tentou salvar o casamento com alguns dias numa bela casa de uma praia deserta. Hoje é colega nosso de boteco, e vem engrossar a estatística dos divorciados.
Segundo ele conta, a discussão começou no momento de organizar o porta-malas do carro, pois ela não queria que ele levasse a churrasqueira de latão que tanto ele gostava. Ele havia programado de fazer uma deliciosa costela na praia. Para ela, costela não era exatamente a idéia de uma noite romântica. Após muita discussão, o cidadão conseguiu negociar a inclusão na carga de um Gengiskan.


Após a discussão que quase acabou no fórum, desencadeando o divórcio, finalmente entraram no carro e seguiram pela estrada. Este foi o segundo erro. Se a idéia é salvar o casamento, é uma boa idéia evitar as situações de confronto evidente. É lógico que durante as seis horas de estrada, o casal discutiu inúmeras vezes em relação àquela ultrapassagem, em relação à velocidade compatível com aquela curva, e inclusive em relação ao momento de desligar o limpador de parabrisas.


Quando chegaram ao destino, não houve clima suficiente para uma tentativa de intimidade sequer. Cansados e estressados, eles acabaram por tomar a cama com as nádegas uma para o outra. Sexo? Nem pensar. Se não conseguiam nem se olhar, era de pouco inteligência arriscar um toque.


Na manhã seguinte, ele acordou de bom humor, resgatando seu plano mirabolante para salvar o casamento. E logo foi cutucando a mocinha para convidá-la para ir a praia, descansar tranquilamente embaixo de um guarda-sol. Ela já não levantou com o melhor dos humores, e de pouca fala, iniciou a passagem de cremes e do bloqueador solar. Enquanto ela se ocupava com as coisas de mulher, ele foi agir como homem. Terceira cagada. No isoporzinho azul com a tampa amarelada, ele tirou as uvas, o melão e os pêssegos que ela tinha deixado lá, enchendo aquela geladeirinha de pobre com cerveja.


Após andar cerca de quinhentos metros até a praia, por onde ele a fez carregar as cadeiras e o guarda-sol, para poder se ocupar apenas do isopor, escolheram o melhor lugar numa praia deserta. Após ela montar o guarda-sol, ainda em silêncio, abriu a cadeira e se sentou. Após um suspiro, olhou para ele e pediu para que ele passasse a água e um cacho de uvas. Quando ele informou que as uvas não foram à praia, ela apenas abriu o isopor, olhou as 24 cervejas em meio ao gelo, passou a mão revirando o gelo como se tentasse achar algum grão de uva perdido. Nada. Ele realmente havia feito isso. Então ela apenas levantou, falou um “puta que pariu” baixinho e colocou-se no caminho de casa.


Ele permaneceu sentado, imaginando que ela iria buscar a uva. Quinhentos metros para ir, mais quinhentos para voltar, cerca de um quilômetro depois ela estaria de volta com a uva. Enquanto esperava, ele viu um barco de pescador chegando, e como todo homem curioso, foi lá pesquisar o que estava na rede. Como todo chato, levou uma cervejinha para tentar corromper o pescador para que contasse a ele os insondáveis segredos do mar e da pescaria. Ele conseguiu. Começou uma conversa com o pescador, e ali se deteve em detalhes de como pegar cação, onde encontrar robalos, a melhor forma de pescar uma garoupa. Como a sede do pescador era de quem vinha da água salgada, foram cerca de seis cervejas para cada um. Com a aula de pescaria, o cidadão esqueceu da esposa que não voltou com a uva. Aquele palavrão baixinho já informava que ela não voltaria, mas ele se perdeu em sua masculinidade egocêntrica e não percebeu a grande cagada que havia feito.


Mas agora havia um problema. Ele não tinha como carregar tudo para voltar para a casa. Ele até lembrou daquele carrinho de praia que estava em promoção no Carrefour. Foi tolice não ter comprado. Então ele imaginou que ela voltaria para ajuda-lo com as coisas. Mas é claro que ele estava enganado. Ela estava emputecida da vida com ele. A última coisa que um homem pode esperar, é de parceria quando a mulher está pelo pescoço com ele.


Quando acabou a cerveja do isopor, ele com a habilidade de um bêbado, conseguiu ter a idéia de segurar a tampa do isopor com a boca, engatar o isopor na ponta do guarda-sol, e com a outra mão levar as cadeiras. Como ele não conseguiu pegar as duas cadeiras, a cadeira maior que era dela, resolveu pedir para colocar no barco do pescador, e depois voltaria para buscar.


E ele foi de malabarismo andando até a casa alugada. O sol a pino lhe causava tonturas maiores que a da cerveja, e ao chegar em casa, percebeu que as coisas não estavam bem para o seu lado. A sua mulher estava trancada no quarto. Ele tentou, bateu na porta, falou manso até que a porta se abriu. Quando ele sorriu para ela, ela de pronto peguntou: Onde está minha cadeira? Quando ele disse que estava na praia ela iniciou um repertório completo de palavrões de mulher casada. Como ele não conseguiu interrompe-la para explicar, após o surto psicótico ele resolveu ir buscar a cadeira na praia. Como o leitor já deve imaginar, na praia não havia mais cadeira, nem barco e nem pescador.


Ao retornar para a casa, silenciosamente ele teve a idéia. Pegaria o carro e sairia para comprar uma cadeira igual para ela, sem que ela percebesse nada. Tudo seria resolvido. Chegou em casa, e sem falar nada, pegou as chaves do carro e foi para o centro da vila. Lá chegando, ele percebeu que nunca tinha atentado para a cor da cadeira dela. Após se esforçar um monte, achou algo que julgava ser parecido. Após um bom tempo, chegou em casa, e sem falar nada levou a cadeira para os fundos. Quando entrou em casa, ela já estava explodindo em nervosismo, indagando a ele por que havia demorado tanto para ir até a praia se ele havia ido de carro. Ele não tinha resposta, e mais uma vez ela se trancou no quarto. Então ele percebeu que precisava descansar.


Deitou-se na rede e apagou. Acordou já eram quase seis horas da tarde. Ela não estava em casa. Ele então teve um súbito de bom senso e percebeu que até então, só havia feito cagada. Decidiu então que iria arrumar a situação. Percebeu que teria que pensar em algo romântico para a noite.


Ele foi até uma peixaria e comprou uma bela tainha. Lembrou-se de uma ótima receita de “tainha no buraco”. Após temperar a tainha e embrulhá-la em um papel alumínio, comprou mais uma caixa de cerveja e deixou tudo no carro. Foi até a praia e juntou madeiras para uma grande e romântica fogueira. Cavou um buraco a cerca de uns dez metros da fogueira, fez o braseiro, e enterrou a tainha. Após deixar tudo pronto, ainda teve a idéia de comprar um champanhe para regar a noite romântica.


Ao chegar em casa deitou-se no quarto e resolveu fazer uma surpresa para mulher. Cerca de uma hora depois, e já eram quase oito da noite, ela chegou. Como todo homem, um ser naturalmente sem noção, quando ela chegou ele perguntou: O que você vai fazer para o jantar? Ela respondeu com um linguajar que não pretendo usar neste espaço. Após outro surto, ele conseguiu explicar que era brincadeira, e ele havia preparado tudo para a noite. Ele ainda prometeu que seria uma noite romântica.


Quando ela se acalmou, ele a colocou no carro e foi até a praia. Como ele havia preparado tudo, resolveu colocar o carro na areia para colocar um som romântico perto da fogueira. Ela se surpreendeu com a atitude. Será que ele finalmente havia feito algo certo? Eles se sentaram ali, abriram a champanhe, e começaram a falar sobre os problemas do casamento. Pela primeira vez estavam conseguindo se comunicar com certa educação. Discutiram de forma civilizada a relação.


Agora tudo parecia caminhar para a paz conjugal.

Mas como havia um homem na conversa, as coisas não poderiam dar tão certo assim. Depois que tomaram a champanhe, ele foi para a cerveja. E ele já não vinha bem pela quantidade que havia tomado ao longo do dia. Como ela previa, ele se empolgou na cerveja. Nesse momento ela esboçou uma crítica, mas manteve-se em silêncio para não acabar com a noite.


Quando já era meia noite, por volta da oitava cerveja, ele já não estava tão sóbrio, mas era hora de saborear a “tainha no buraco”. Ele se levantou cambaleando e foi abrir o buraco. Ao abrir o buraco, nada de tainha, e nada de braseiro. Outro buraco e nada. E mais um, e outro, e um novo buraco e nada. Após escavar metade da praia sob o olhar descrente da sua esposa, ele percebeu que havia perdido a tainha. Ela olhava para ele tentando imaginar o motivo de ter casado com uma criatura daquela. Então ele se propôs a levá-la para jantar em algum lugar.

Ainda havia uma salvação para a noite.

Ao tentar movimentar o carro, ele havia encalhado. Mas homem que é homem sabe sair dessas situações. Pegou uma camiseta dela que estava no carro, molhava com água e torcia molhando a areia sob as rodas. E as rodas enterravam mais e mais.


Como durante esse procedimento ele deixou a luz e o som ligado, como você pode imaginar, não demorou para ele ficar sem baterias. E como você também pode imaginar, não demorou para a maré subir e inundar o carro. E como você com certeza já sabe, não demorou para a mulher dele deixar ele sozinho na praia, bebendo cerveja e contemplando as lambidas que o mar dava na porta do seu carro.


Como tudo é previsível, ela voltou para Curitiba de ônibus no dia seguinte, e ele resolveu ficar os outros seis dias para arrumar o carro, e aproveitar o aluguel da casa. E é lógico que quando chegou, a fechadura da casa havia sido trocada.


Sim. Ela ficou com o apartamento e ele ficou com o carro, embora tenha vendido o carro recentemente por um valor bem abaixo do mercado. Mas na separação ele também ficou com a churrasqueira de latão, que hoje está na casa do cunhado dele. Ficou também com as duas cadeiras de praia e com o isopor..


A moral da história?


As vezes, para salvar seu casamento, não faça absolutamente nada. Qualquer tentativa pode desencadear o divórcio.

CELULAR NA ESCOLA. PODE?