sexta-feira, 25 de abril de 2008

O DIA EM QUE O BOI QUASE SE AFOGA (Samuel Rangel)

A imagem do Boi* se afogando é um tanto quanto difícil para as imaginações medianas, mas com uma seção de seis cervejas, ela começa a se tornar bem palpável. Aliás, essa minha imaginação regada a Skol, me permite quase ver as mesas dos bares lotadas de grupos de amigo. Sobre cada mesa, flutua um balão do tipo revista em quadrinhos, onde passam as imagens da conversa que predomina na mesa.

Ontem, atendendo ao gentil convite de Flavinho Banderat, estive no Tse Tse, acompanhado do elenco da Companhia Anjos Boêmios e mais alguns agregados. Dente esses agregados, a cênica presença de Pilo. Pilo é o percursionista que me acompanhava nos primórdios do Bardocelar, e foi um auxílio imprescindível na montagem da equipe musical da casa. Mas o que mais chama a atenção em Pilo é a graça natural que ele tem, ao falar, ao tocar, e principalmente no momento de contar uma história.

Exatamente sobre uma história que ele nos contou ontem, que tirou lágrimas hilariantes de nossos olhos, é que vou tentar contar, sabendo que esse desafio é ingrato, pois jamais um texto meu chegara aos pés das histórias contadas pelo Pilo.

Há muito tempo, Pilo que é quase um morador de Barra Velha, convidou Flavinho e Boi para tocarem no verão naquela praia. Já nos primeiro dias, Pilo acordava cedo e olhava para a dupla de dorminhocos que não demonstrava qualquer interesse por um banho de mar.

Assim foram os primeiro dias, até que Pilo então resolveu colocar o seu jet ski na água. Então a dupla se interessou.

Flavinho, demonstrou pouca intimidade com as coisas do mar quando vestiu a sua bermuda “tomara que caia”, mas não se fez de rogado. Como todo bom rato da areia, ofereceu-se para acompanhar Pilo em uma disputada partida de Frescobol.

Raquetadas pra lá e boladas nas meninas depois, a raquete escapa da mão de Flavinho, e como um padre pendurado em bexigas (imagem que insiste em não abandonar minha cabeça), segue direto rumo ao mar. Flavinho, sempre disposto e voluntário, segue correndo em direção ao mar para resgatar a raquete. Já na primeira onda que superou a perigosa marca de trinta centímetros, Flavinho se embolou feito um rocambole. E como a praia de Barra Velha possui um fundo bem irregular, lá estava Flacinho quase se afogando, a uma distância de não mais que cinco metros da beira da praia.

Flavinho manteve a calma, mas a raquete foi embora, exatamente diante dos olhos de Pilo que já começava a perguntar: O que é que eu fui fazer?

Como o Frescobol ficou difícil com uma raquete (eles até tentaram rebater a bola e jogar a raquete para o outro antes que a bola chegasse, mas a marca no supercílio de Flavinho, demonstrou que era uma idéia de jerico), eles então resolveram colocar o jet ski na água. O primeiro a embarcar na garupa de Pilo (que foi piloto de moto), foi o nosso consagrado Boi.

Pilo, louco, mas precavido, vestiu apertado o colete salva-vidas em Boi, o colocou na garupa e seguiu mar a dentro, singrando os mares revoltos da Santa Catarina, escalando audaz as ondas que se erguia em seu caminho, e fazendo aquele barulho infernal que é uma merda.

Quinze minutos após, Pilo, o sábio, promove o desembarque de Boi com o seu famoso golpe ninja do cavalo de pau a beira mar. Nesta manobra que merece uma nota três no free style, o carona é arremessado como um saco de batatas rumo à areia.

Boi, após cortar os céus por uma fração de segundos, cai e ficou imóvel.

A uma distância de pouco mais de dois metros, toda a legião de amigos que assistiam a cena, olhavam estranhamente para Boi, imóvel, e com os olhos fechados, com os braços traçados sobre o peito. Seu queixo batia e ele parecia sussurrar algo.

Sem molhar os pés, os amigos se aproximaram um pouco mais, e indagaram a Boi o que se passava.

Boi, de coletes salva-vidas (importante lembrar), em absoluto e resignado desespero, informou que estava morrendo afogado, pois não sabia nadar.

Os amigos receberam a notícia como uma irreverente piada, pois não podia ser verdade, mas ele manteve a atuação dramática durante mais cinco minutos. Enquanto muitos rolavam na areia gargalhando compulsivamente, Pilo manobrava o jet ski para fazer o salvamento mais próximo da areia que a história da humanidade já testemunhou.

Ao chegar perto, com o jet ski quase tocando o fundo, começou a passar instruções para que Boi mantivesse calma, e esticasse os braços para que o povo o puxasse para fora da água. Boi se recusava e continuava a balbuciar sua própria extrema unção, diante dos olhos incrédulos dos seus amigos.

Boi então se revoltou com os amigos insensíveis: “Tudo bem! É assim? Vocês riem enquanto olham para o seu amigo se afogando”?

Os amigos então pedem que Boi estique o braço mais uma vez, e nessa hora, Boi profere a frase que ontem tirou o fôlego dos que estava à mesa:

Deixem eu ficar aqui quietinho. Assim a morte chega mais devagar.

Nessa hora, é que foram descobrir que Boi realmente tem pavor de água, e realmente acreditava que estava morrendo.

Então Pilo, o sábio, mas com certo sentimento de culpa pelo lançamento do Boi rumo a sua própria sorte, diz a Boi: “Ok. Mas então faça o seguinte. Apenas estique as pernas que demora mais tempo para você se afogar”. Boi aceitou o conselho, e quando esticou as pernas, viu sua cintura emergir para fora d’água, enquanto os amigos faziam um festival “à milanesa” de tanto rir.

E assim são as criaturas.

Se convidar boi para um banho de piscina, não esqueça das bóias de braço e de ministrar uma dose generosa de Passiflorine para a criatura antes dele entrar na água.


* Boi é o nosso querido João Carlos Jardim, prestativo componente do elenco da Companhia Anjos Boêmios, mas que não sabe nadar e tem fobia de água.