sábado, 22 de março de 2008

ESSAS MALDITAS FILMADORAS (Samuel Rangel)

Não me recordo de ter conhecido alguém, que sequer uma vez por outra, não gostasse de cartear fotos antigas, viajando em lembranças de tempos e pessoas, momentos e eventos dos quais fizemos parte com mais ou menos brilho. E lá estavam as máquinas fotográficas espalhadas pelas mais diversas mãos e diante dos mais variados olhos para eternizar aquele momento.

E dentre estas fotos, encontramos aquelas mais belas, e com muita freqüência, algumas engraçadas que até nos fazem rir. Quando usávamos o cabelo da moda, ou a calça que nem pano de chão não é mais.

Sou um destes, mas hoje venho protestar contra a tecnologia. Fotos? Eu sou um admirador de carterinha desta invenção do homem. Porém, quando o assunto passa a ser “filmadoras”, minha opinião muda um pouquinho.

E a minha revolta paraguaia contra essas máquinas infernais, vem das reuniões de domingos. Quando o assunto então são as filmadoras do tipo “grandes fitas VHS”, ainda é mais grave, pois se temos o vídeo, o domingo terá uma capacidade de nos remeter à uma crise de depressão. Qual o motivo?

Domingo é dia de juntar a família, e normalmente se faz isso já antes do almoço. Após a Lasanha da Vovó e alguns goles de vinho, sentam-se todos na sala e colocam-se a conversar. Normalmente um dos presentes acaba se irritando com uma assunto recuperado do arquivo morto, mas são apenas pequenas brigas de família que adormeceram inofensivas após uma semana de reflexão. Quando o consternado foi para a casa, então alguém traz a caixa de horrores. Uma pequena embalagem de Fita VHS. Os olhos atentos miram aquela coisinha que parece inofensiva. Todos se sentam e olham atentos a televisão, que após o clássicos chuviscos do tracking, começa a exibir um filme de terror. E este texto não foi pensado em outro momento que não aquele quando a vergonha me corroia.

Sim. Eu passei por uma seção de tortura destas.

Quando a imagem vem, aparece já nos primeiro trinta segundos, uma imagem de um rapaz magro com calça branca, que a cintura atingia a altura do peito. Olhando acima da calça que parecia não ter fim, via-se uma camiseta que azul com escritos laranjas. Não é fácil descrever a camisa, pois realmente ela fica entre o modelo de um padre e um o de um surfista.

E segue a minha observação da imagem. Quando chega a cabeça do rapaz, vejo um cabelo que alto, tipo capacete, que logo se vê que está dividido ao meio. Naquele momento pensei: Como uma dia isso já foi moda?

Mas a tortura começou quando o cidadão virou de frente. Era eu! Sim. O rapaz vestido de uma versão romântica do Palhaço Goiabada, era eu!

Quando percebi que não havia movimento de ar na sala da minha casa, ainda envergonhado, olhei para os lados, e apreciei uma multidão de vermelhos, segurando a gargalhada que decretaria o final da reunião dominical.

E o povo tentou se segurar, mas não conseguiu.

Vindo da terceira geração da família, o sobrinho engraçadão que até então tinha admiração pelo tio aqui, solta a gargalhada seguida da pergunta: É você tio? Fala para mim que não é você!

E a resposta vem pelas gargalhadas coletivas. Uma multidão de rebeldes que soltam uma gargalhada que não ousariam se estivéssemos sozinhos.

E a seção de horror continua.

Quando numa daquelas entrevistas engraçadinhas que surgiram quando criaram essas malditas câmeras, o meu irmão me dirige algumas perguntas, que para o meu desespero, eu resolvi responder. Quando ouvia a minha voz e meu jeito de falar no passado, surgiu-me então a vontade de teclar um “control+alt+del” no meu domingo. E as gargalhadas voavam soltas pela sala.

A minha vergonha ia crescendo a cada movimento de pingüim do meu passado. E toda vez que olhava aquela calça, tentava lembrar quem fora o maldito que um dia teria escolhido aquele pano em uma loja.

O pior é que essa minha memória boa revelou que havia sido eu mesmo. Lembrei-me do dia em que escolhi aquela calça em uma das araras da C&A. Pensei como aquela loja poderia vender tal insulto aos olhos, e branco ainda.

E a revolta foi tanta que virei o jogo para a vingança.

Quando aparece o mesmo sobrinho, em frente à filmadora, cantando “Abre a Porta Mariquinha” da dulpa Sandy e Junior, foi minha vez de gargalhar. E então eu vi o sobrinho tendo a mesma vontade que eu. Pagando o Gorila do Ano, o sobrinho vê as mulheres da sala rirem alto do rapazinho que agora jura que é pegador.

Mas a vez das mulheres também chegou. O cabelo da época, era algo de realmente inusitado. Entre o volume do cabelo e o couro cabeludo da mulherada, deveria haver ao menos vinte centímetros de fios enrolados. Uma versão penteada do cabelo Black Power.

E quando elas começaram a reparar nas roupas, então a coisa ficou pior.

Era um festival de “Calça Cacharrel”, Calça Gola Olímpica, Calça Tomara que Caia, e tantas outras coisas de pescoço, que todos na sala se colocaram a pensar em quem fora o malditos estilistas que num súbito ataque maníaco, achou que a cintura das pessoas era no pescoço. Interessante mesmo é imaginar o porque de uma camisa, de uma blusinha, se a própria calça cobria o peito?

Após aquela seção de tortura, revoltei-me e como a televisão é minha, desliguei o aparelho e sugerir outra atividade familiar, do tipo lavar a louça, discutir quem faz o que no próximo almoço. E eles relutaram. Então pensei. É hora do golpe fatal. Vamos falar sobre a conta do almoço?

Lentamente a casa foi se esvaziando e eu pude ficar só com minha vergonha novamente, mas para o meu terror, meu irmão levou a fita. Ele me tem como refém.

Por isso, volto a perguntar: Quem inventou essas malditas filmadoras portáteis?

Não sei. Realmente não sei.

Mas nas fotos nos suportamos, pois não nos movimentamos, e não falamos. E as feias? Jogamos fora. Mas nas filmagens a coisa é diferente. Testemunhas insensíveis do que já fomos.

E neste sentido vem o lado bom. Se por um lado envelhecer causa preocupação, por outro nos faz muito melhores do que éramos.