Não me recordo de ter conhecido alguém, que sequer uma vez por outra, não gostasse de cartear fotos antigas, viajando em lembranças de tempos e pessoas, momentos e eventos dos quais fizemos parte com mais ou menos brilho. E lá estavam as máquinas fotográficas espalhadas pelas mais diversas mãos e diante dos mais variados olhos para eternizar aquele momento.
E dentre estas fotos, encontramos aquelas mais belas, e com muita freqüência, algumas engraçadas que até nos fazem rir. Quando usávamos o cabelo da moda, ou a calça que nem pano de chão não é mais.
Sou um destes, mas hoje venho protestar contra a tecnologia. Fotos? Eu sou um admirador de carterinha desta invenção do homem. Porém, quando o assunto passa a ser “filmadoras”, minha opinião muda um pouquinho.
E a minha revolta paraguaia contra essas máquinas infernais, vem das reuniões de domingos. Quando o assunto então são as filmadoras do tipo “grandes fitas VHS”, ainda é mais grave, pois se temos o vídeo, o domingo terá uma capacidade de nos remeter à uma crise de depressão. Qual o motivo?
Domingo é dia de juntar a família, e normalmente se faz isso já antes do almoço. Após a Lasanha da Vovó e alguns goles de vinho, sentam-se todos na sala e colocam-se a conversar. Normalmente um dos presentes acaba se irritando com uma assunto recuperado do arquivo morto, mas são apenas pequenas brigas de família que adormeceram inofensivas após uma semana de reflexão. Quando o consternado foi para a casa, então alguém traz a caixa de horrores. Uma pequena embalagem de Fita VHS. Os olhos atentos miram aquela coisinha que parece inofensiva. Todos se sentam e olham atentos a televisão, que após o clássicos chuviscos do tracking, começa a exibir um filme de terror. E este texto não foi pensado em outro momento que não aquele quando a vergonha me corroia.
Sim. Eu passei por uma seção de tortura destas.
Quando a imagem vem, aparece já nos primeiro trinta segundos, uma imagem de um rapaz magro com calça branca, que a cintura atingia a altura do peito. Olhando acima da calça que parecia não ter fim, via-se uma camiseta que azul com escritos laranjas. Não é fácil descrever a camisa, pois realmente ela fica entre o modelo de um padre e um o de um surfista.
E segue a minha observação da imagem. Quando chega a cabeça do rapaz, vejo um cabelo que alto, tipo capacete, que logo se vê que está dividido ao meio. Naquele momento pensei: Como uma dia isso já foi moda?
Mas a tortura começou quando o cidadão virou de frente. Era eu! Sim. O rapaz vestido de uma versão romântica do Palhaço Goiabada, era eu!
Quando percebi que não havia movimento de ar na sala da minha casa, ainda envergonhado, olhei para os lados, e apreciei uma multidão de vermelhos, segurando a gargalhada que decretaria o final da reunião dominical.
E o povo tentou se segurar, mas não conseguiu.
Vindo da terceira geração da família, o sobrinho engraçadão que até então tinha admiração pelo tio aqui, solta a gargalhada seguida da pergunta: É você tio? Fala para mim que não é você!
E a resposta vem pelas gargalhadas coletivas. Uma multidão de rebeldes que soltam uma gargalhada que não ousariam se estivéssemos sozinhos.
E a seção de horror continua.
Quando numa daquelas entrevistas engraçadinhas que surgiram quando criaram essas malditas câmeras, o meu irmão me dirige algumas perguntas, que para o meu desespero, eu resolvi responder. Quando ouvia a minha voz e meu jeito de falar no passado, surgiu-me então a vontade de teclar um “control+alt+del” no meu domingo. E as gargalhadas voavam soltas pela sala.
A minha vergonha ia crescendo a cada movimento de pingüim do meu passado. E toda vez que olhava aquela calça, tentava lembrar quem fora o maldito que um dia teria escolhido aquele pano em uma loja.
O pior é que essa minha memória boa revelou que havia sido eu mesmo. Lembrei-me do dia em que escolhi aquela calça em uma das araras da C&A. Pensei como aquela loja poderia vender tal insulto aos olhos, e branco ainda.
E a revolta foi tanta que virei o jogo para a vingança.
Quando aparece o mesmo sobrinho, em frente à filmadora, cantando “Abre a Porta Mariquinha” da dulpa Sandy e Junior, foi minha vez de gargalhar. E então eu vi o sobrinho tendo a mesma vontade que eu. Pagando o Gorila do Ano, o sobrinho vê as mulheres da sala rirem alto do rapazinho que agora jura que é pegador.
Mas a vez das mulheres também chegou. O cabelo da época, era algo de realmente inusitado. Entre o volume do cabelo e o couro cabeludo da mulherada, deveria haver ao menos vinte centímetros de fios enrolados. Uma versão penteada do cabelo Black Power.
E quando elas começaram a reparar nas roupas, então a coisa ficou pior.
Era um festival de “Calça Cacharrel”, Calça Gola Olímpica, Calça Tomara que Caia, e tantas outras coisas de pescoço, que todos na sala se colocaram a pensar em quem fora o malditos estilistas que num súbito ataque maníaco, achou que a cintura das pessoas era no pescoço. Interessante mesmo é imaginar o porque de uma camisa, de uma blusinha, se a própria calça cobria o peito?
Após aquela seção de tortura, revoltei-me e como a televisão é minha, desliguei o aparelho e sugerir outra atividade familiar, do tipo lavar a louça, discutir quem faz o que no próximo almoço. E eles relutaram. Então pensei. É hora do golpe fatal. Vamos falar sobre a conta do almoço?
Lentamente a casa foi se esvaziando e eu pude ficar só com minha vergonha novamente, mas para o meu terror, meu irmão levou a fita. Ele me tem como refém.
Por isso, volto a perguntar: Quem inventou essas malditas filmadoras portáteis?
Não sei. Realmente não sei.
Mas nas fotos nos suportamos, pois não nos movimentamos, e não falamos. E as feias? Jogamos fora. Mas nas filmagens a coisa é diferente. Testemunhas insensíveis do que já fomos.
E neste sentido vem o lado bom. Se por um lado envelhecer causa preocupação, por outro nos faz muito melhores do que éramos.
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