Ainda lembro do salão erguido em madeira e pintado de azul daquele Clube que freqüentava em minha infância. Lembro-me com nostalgia das boatinhas das noites de domingo, e das primeiras paixões que me fizeram demorar mais ao banho daqueles dias.
Mas é com tristeza que lembro das perdidas noites de Carnaval em que girávamos nos salão do clube. É com ímpar clareza que me surge a imagem das jovens meninas caprichosas em suas fantasias de odaliscas, vedetes, colombinas e índias.
A cada volta no salão um olhar cruzava entre jovens casais, que por mais que hoje se queira acreditar, não se incomodavam com os pais presentes. E não era difícil que após um determinado número de voltas no salão, o jovem pretendente se sentasse à mesa para ser apresentado aos pais da bela garota.
Eram quatro noites de encanto, onde amores começavam e terminavam. Outros amores eram proibidos e remetidos ao ostracismo do “namorar escondido”.
Para se ter idéia do encanto único dos bailes de salão, surge-me a lembrança de uma namorada carioca que tive na época, que abandonava o pomposo carnaval do Rio de Janeiro para vir girar comigo nos salões curitibanos.
O tempo foi passando, e junto com o tempo, uma revolução cultural surgiu intrépida. Sem uma gota de sangue, mas com muito a perder, valores foram mudando. Então ficou muito mais interessante o provocativo short justo da morena do que a fantasia das mil e uma noites. As almas deixaram de se encantar para que os corpos se tocassem.
E como um golpe fatal, surgiu então o Carnaval de Rua das praias. Lembro-me da pompa que envolvia as primeiras passagens da Caiobanda, onde pessoas de maior poder aquisitivo, organizavam blocos finos e cheirosos. Não mais que mil ou duas mil pessoas seguiam o carro elétrico, numa festa bonita e tranqüila. Os salões dos clubes começaram então a fechar, e cada vez mais, o único carnaval aceitável era aquele nas areias de Caioba ou de Guaratuba.
Então o cordão de pessoas foi aumentando, tanto e tanto que não se podia mais ter controle sobre o que acontecia por ali. Mas o frenesi era tanto que não se pode vislumbrar o final da história.
O tempo passou mais uma vez, poucos anos atrás, o carnaval de rua decretou seu fim em sua própria democracia, quando começou a misturar os foliões com os amantes da algazarra.
Lembro-me de ter visto da areia uma vez, a Caiobanda passar tocando músicas batidas que nada tinham de samba, carregando atrás, milhares de pessoas que pareciam mais ser uma revoada de gafanhotos. Quando a banda acabava de passar, árvores no chão, carros depredados e uma quantidade infinita de latas de bebida, revelavam as cinzas do carnaval sentenciado ao fim.
O carnaval então estava de mudança para as luxuosas praias de Santa Catarina.
O tempo passou novamente, e neste carnaval optei pelo silêncio de minha casa, para admirar os desfiles das escolas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Enquanto milhares de pessoas se enfileiravam nas estradas das praias paranaenses e catarinenses, percebi a diferença entre o que se passa aqui e lá. Sem querer ofender aos curitibanos, mas até por ser um deles, acho que o problema é nossa incapacidade de agregar valores ao que é nosso.
Enquanto nossas três heróicas escolas de samba desfilavam no grupo especial sobre a Avenida Cândido de Abreu, carros alegóricos de mais de cem metros cruzavam o belíssimo sambódromo de São Paulo.
E isso não se resume ao carnaval, mas sim a toda a cultura curitibana.
Para que o Era Só o que Faltava lotasse às cinco da tarde, Diogo Portugal teve que fazer sucesso antes no Faustão e no Jô Soares. É como se precisássemos do aval das autoridades artísticas (ou não) de São Paulo e Rio de Janeiro, para sabermos se podemos gostar do que é curitibano. Se Ariano Suassuna* é o baluarte da brasilidade cultural, gostaria de propor o resgate da cultura curitibana.
Isto tudo por não termos condições de agregar valor ao que é nosso. E se não podemos agregar valor à nossa própria cultura, com certeza coisas como nossos velhos e encantadores carnavais de salão, haverão de nos abandonar. Nós, curitibanos, talvez sejamos exatamente o maior motivo para que curitibanos tenham que enfrentar horas e horas de estrada, para buscar alguma felicidade em algum outro lugar.
E se você não concordar, ao menos agregue valor a este assunto. Reflita sobre o assunto e faça de Curitiba algo mais do que um lugar de trabalho.
A prova de que isso é possível, veio ontem com o desfile da Escola de Samba Mancha Verde, que homenageou Ariano Suassuna. Como ele mesmo diz, sua mãe é a Paraíba e seu pai é Pernambuco, e ainda Ariano ontem foi recebido como majestade em São Paulo para receber todo o reconhecimento de que é merecedor.
Quem sabe um dia nosso filhos possam rodar seguros nos salões de nossos próprios clubes.
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* Biografia de Ariano Suassuna
Ariano nasceu em Taperoá, na Paraiba (Parahyba em ortografia arcaica), num dia de Corpus Christi, o que acabou por ocasionar a parada de uma procissão que ocorrera no dia de seu nascimento na frente do palácio do governo do estado. Ariano viveu os primeiros anos de sua vida no Sítio Acauhan (Fazenda Acauã), no sertão do estado da Paraíba.
Aos três anos de idade (1930), Ariano passou por um dos momentos mais complicados de sua vida com o assassinato de seu pai, no Rio de Janeiro, por motivos políticos, durante a Revolução de 1930, o que obrigou sua mãe, Cássia Vilar Suassuna, a levar toda a família a morar na cidade de Taperoá, no Cariri paraibano.[1]
Ainda em Taperoá, Ariano teve conhecimento da morte do seu pai, que ocorreu dentro da cadeia de eventos que sucederam e estavam ligados à morte de João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, e, como produto destes acontecimentos, sua família precisou fazer várias peregrinações para diferentes cidades, a fim de fugir das represálias dos grupos políticos opositores ao seu falecido pai.
De 1933 a 1937, Ariano residiu em Taperoá, onde "fez seus primeiros estudos e assistiu pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” seria uma das marcas registradas também da sua produção teatral."[2]
Estudos
Em 1942, ainda criança, Ariano Suassuna muda-se para cidade de Recife, no vizinho estado de Pernambuco, onde passou a residir definitivamente. Estudou o antigo ensino ginasial no renomado Colégio Americano Batista, e o antigo colégial (ensino médio), no tradicionalíssimo Ginásio Pernambucano e, posteriormente, no Colégio Oswaldo Cruz. Posteriormente, Ariano Suassuna concluiu seu estudo superior em Direito (1950) e em Filosofia (1964)
De formação calvinista e posteriormente agnóstico, converteu-se ao catolicismo, o que viria a marcar definitivamente a sua obra[3].
Ariano Suassuna estreou seus dons literários precocemente no dia 7 de outubro de 1945, quando o seu poema Noturno foi publicado em destaque no Jornal do Commercio do Recife.
Advocacia e teatro
Na Faculdade de Direito, conheceu Hermilo Borba Filho, com quem fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1947, escreveu sua primeira peça, Uma mulher vestida de Sol. Em 1948, sua peça Cantam as harpas de Sião (ou O desertor de Princesa) foi montada pelo Teatro do Estudante de Pernambuco. Seguiram-se Auto de João da Cruz, de 1950, que recebeu o Prêmio Martins Pena, o aclamado Auto da Compadecida, de 1955, O Santo e a Porca - O Casamento Suspeitoso, de 1957, A Pena e a Lei, de 1959, A Farsa da Boa Preguiça, de 1960, e A Caseira e a Catarina, de 1961.
Entre 1951 e 1952, volta a Taperoá, para curar-se de uma doença pulmonar. Lá escreveu e montou Torturas de um coração. Em seguida, retorna a Recife, onde, até 1956, dedica-se à advocacia e ao teatro.
Em 1955, Auto da Compadecida o projetou em todo o país. Em 1962, o crítico teatral Sábato Magaldi diria que a peça é "o texto mais popular do moderno teatro brasileiro". Sua obra mais conhecida, já foi montada exaustivamente por grupos de todo o país, além de ter sido adaptada para a televisão e para o cinema.
Em 1956, afasta-se da advocacia e se torna professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco, onde se aposentaria em 1994. Em 1976, defende sua tese de livre-docência, intitulada "A Onça castanha e a Ilha Brasil: uma reflexão sobre a cultura brasileira".
Movimento Armorial
Para maiores informações acesse o artigo completo sobre o Movimento Armorial.
Ariano foi o idealizador do Movimento Armorial, que tem como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro. Tal movimento procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura, entre outras expressões.
Obras de Ariano Suassuna já foram traduzidas para inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, italiano e polonês.[4]
Em 1993, foi eleito para a cadeira 18 da Academia Pernambucana de Letras, cujo patrono é o escritor Afonso Olindense.
Academia Brasileira de Letras
Desde 1990, Ariano ocupa a cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Manuel José de Araújo Porto Alegre, o Barão de Santo Ângelo, (1806-1879).
Precedido porGenolino Amado
Cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras1990 - presente
Sucedido por—
Algumas de suas obras
Teatro
Uma mulher vestida de Sol, (1947);
Cantam as harpas de Sião ou O desertor de Princesa, (1948);
Os homens de barro, (1949);
Auto de João da Cruz, (1950);
Torturas de um coração, (1951);
O arco desolado, (1952);
O castigo da soberba, (1953);
O Rico Avarento, (1954)
Auto da Compadecida, (1955);
O casamento suspeitoso, (1957);
O santo e a porca, (1957);
O homem da vaca e o poder da fortuna, (1958);
A pena e a lei, (1959);
Farsa da boa preguiça, (1960);
A caseira e a Catarina, (1962);
As conchambranças de Quaderna, (1987);
Fernando e Isaura, (1956)"inédito ate 1994";
Romance
A História de amor de Fernando e Isaura, (1956)
O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, (1971).
História d'O Rei Degolado nas caatingas do sertão/Ao sol da Onça Caetana, (1976).
Poesia
O pasto incendiado, (1945-1970)
Ode, (1955)
Sonetos com mote alheio, (1980)
Sonetos de Albano Cervonegro, (1985)
Poemas (antologia), (1999)
domingo, 3 de fevereiro de 2008
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