Eu que fui criado em uma Curitiba bem mais atrasada, onde assaltos eram coisas de notícia do Jornal Nacional apresentado por um Cid Moreira de cabelos ainda escuros, fui influído por esses modos brejeiros, e aqui vai minha confissão: Não cheguei a matar muitos passarinhos, mas peguei uma centena deles em uma arapuca com desarme automático que eu mesmo aprendi a fazer com meu avô.
Naquela época, jogar papel na rua (perdão pela minha ignorância), deixar a torneira aberta, e sair sem filtro solar, era coisa comum. E já havia alguns loucos pela rua gritando que a natureza iria se revoltar contra o homem. Hoje, com a realidade do aquecimento global, tenho já as minhas provas da revolta da natureza. E eu que nem acreditava que a natureza tinha sentimentos, sofro diretamente a sua revolta.
A primeira delas senti em 1988, quando subia a escadaria da UFPr para encontrar a minha namoradinha e colega de curso de direito. Quando faltava menos de um metro para chegar a porta, fui atingido no ombro por uma senhora cagada de uma daquelas malditas pombas.
Era um presságio.
Mas o tempo passou e esses meus modos não mudaram muito. Até ensinei minha sobrinha a fazer a arapuca, apenas tomando o cuidado de ensiná-la a soltar os passarinhos após a captura dedica única e exclusivamente para a admiração e o contato com a ave.
Agora os agrotóxicos utilizados pelas plantações do interior, fazem com que as aves venham se abrigar justamente na cidade grande. Uma enormidade de espécies estão sobre nossas cabeças, e para quem se assustava com uma cagada de pardal, de sabiá, ou na pior das hipóteses de uma pomba, agora anda por aí com a cabeça à prêmio debaixo de uma garça, de um colheireiro e de tantas outras aves, cujo poder de lançamento é proporcionalmente superior à bitola da cloaca.
E a maior prova disso é o meu bom e velho Espero, que vive ali fora, ao relento, sendo bombardeado todos os dias por esses seres alados e vingativos.
A natureza está se revoltando, e meu carro sumindo debaixo dos esparrames mais insólitos que se possa imaginar. Qualquer hora dessas, a saúde pública recolhe meu carro, isso se for mais rápida dos que as blitz da lei seca.
Tudo bem. É só da boca para fora, mas as vezes acho que perdi a oportunidade. Por mais absurdo que pareça, acho que deveria ter matado aquelas avezinhas, pois seus descendentes miram caprichosamente meu bólido. E algum ecologista vai dizer: Que absurdo Samuel!
Pois é. Mas se eu tiver que lavar o carro todo dia, eu não estarei gastando a valiosa água que ameaça abandonar o planeta? Agora fico eu com esse penico ornitológico automotivo sem poder fazer absolutamente nada.
Pois é. Mas se eu tiver que lavar o carro todo dia, eu não estarei gastando a valiosa água que ameaça abandonar o planeta? Agora fico eu com esse penico ornitológico automotivo sem poder fazer absolutamente nada.
A natureza está se revoltando, mas para toda ação, uma reação!