terça-feira, 7 de abril de 2009

A PRESSA É INIMIGA DE QUEM QUER ATRASAR SUA VIDA


A segunda começou complicada. Para completar o freezer do bar, tivemos que ir buscar a cerveja quase em São Paulo. E ainda ficamos limitados ao estoque da distribuidora. Com a cerveja que tinha, volto ao bar, reponho o freezer, saio correndo e vou para a minha casa vestir o terno para a audiência da tarde.
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Advogar e ser dono de bar no mesmo dia é um tanto complicado, e isso me causava uma certa preocupação, pois as seis horas da tarde chegariam os primeiro clientes da reserva da Festa no Canteiro de Obras.
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Com o terno cansado sentei-me na sala de audiência às 13 horas para a audiência que só começaria meia hora depois. Então me dei conta de que a minha presença apressada naquela sala, não adiantaria a chegada dos demais. Mas que tolice Samuel Rangel.
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Entre um cigarro e outro fumado em metades pela pressa inútil, eu via as testemunhas chegando, e quando contei 8 delas, percebi que seria uma audiência de cerca de quatro horas. Isso quer dizer que eu teria uma hora para fazer as compras restantes no mercado, buscar a cestinha da fritadeira no Ítalo, limpar o chão do bar, montar a frente, tirar o terno e tudo o mais que eu havia programado para a noite.
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E eu e o juiz ficamos ali esperando por algumas autoridades imprescindíveis para a audiência, até que depois de meia hora de atraso a audiência começou. A oitiva da primeira testemunha durou uma hora, o que me fez ver nuvens negras no horizonte, mas que logo se dissiparam com a entrada das outras seis testemunhas, que foram ouvidas rapidamente, não levando mais que quinze minutos cada uma. Havia uma esperança ainda de que a audiência acabasse cedo o suficiente.
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Mas a entrada da última testemunha acabou com qualquer esperança. Já na primeira pergunta feita pelo juiz, a testemunha começou a gaguejar patologicamente. Com os olhos quase enchendo de lágrimas, eu via a testemunha a disparar um milhão de “qui qui qui qui”, “po po po po” e “té té te té tés” Com a pressa que me empurrava a alma, comecei a ajudar a testemunha com as minhas perguntas diretas. Perguntei à testemunha onde ela estava, e ela respondeu: no po, no po no po ... Não aguentando a situação, eu reforcei a pergunta: No ponto de ônibus? E a testemunha respondeu: nã nã nã não. O Juiz olhou com ares de reprovação. No Posto de Saúde? Nã nã nã não? No Posto de Gasolina? Ao perguntar isso o juiz me interrompe e diz: “Doutor. O senhor está colocando palavras na boca da testemunha.”
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Pensei comigo que era tudo o que eu queria fazer, mas não podia, pois a testemunha mal sequer administrava os cacos de palavras que já tinha em sua boca. E assim foi até que a inquirição acabou logo após as cinco horas da tarde. Ao sair da sala da audiência, percebo que a testemunha gaguejante está conversando normalmente com outras pessoas. Com vontade de dar-lhe um sopapo no meio da ideia, perguntei se ele não era gago. Então ele me responde que só fica gago quando está nervoso. É pra acabar, pensei eu, mas não era.
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Com a pressa que me fazia rolar o barranco, entrei no carro e lembrei que a mesma pressa tinha me impedido de abastecer o carro, que já fazia acender a luz da reserva. E lá se iam mais dez preciosos minutos.
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Cheguei ao mercado faltando meia hora para abrir o bar, e logo fui fazendo as compras mais rápidas que já havia feito, chego ao caixa, que julgo ser o caos da humanidade. Eu até gostaria de perguntar aos senhores proprietários de supermercados por que diabos eles constroem esses mega mercados com um “zilhão” de caixas e colocam só dois para funcionar. Valha-me Deus!
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Mas a culpa desse calvário não é só dos mercados, pois sempre tem um Rubinho na fila, que atrasa a corrida de todo mundo. Não é difícil achar um Massa também que dispara com o carrinho na frente para ultrapassar você na chegada do caixa. E eu me pergunto? Se isso é a fórmula 1 dos mortais, onde está a direção de prova?
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E foi assim que ontem encostei o carrinho, com a pressa que me cutucava o rim, no caixa 14, um dos 3 que funcionava naquele momento. Percebi a semelhança entre o senhor de idade na minha frente, e o rapaz que estava no caixa 13. Quando eles começaram a falar, percebi que cada um com seu carrinho, guardava lugar na fila de um caixa, e ao descobrir qual seria o mais rápido, ele mudaria o carrinho mais lotado e sortido do mundo.
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É lógico que o rapaz mudou para a minha fila. Olhei para ele como quem olha para o cunhado, e pensei alto: Que filha de uma puta. O rapaz ouviu, e quando olhou para mim, eu já imaginava que seria um dos primeiros a enfrentar uma briga em uma fila de mercado. Mas não tive medo. Eu levaria vantagem. Eu havia comprado bebidas, enquanto ele comprou fraldas, gelatinas e caixas de suco. Se cada um durante a briga só pudesse o que estava no seu carrinho, eu ganharia na base da garrafada mesmo. Minhas garrafadas seriam bem mais convincentes que as fraldadas do rapaz. Exatamente por isso, e quem sabe por estar com um semblante de uma espécie de Capitão Nascimento, o rapaz desistiu do confronto, e saiu da fila levando o seu carrinho de fraldas e gelatinas.
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Passei as compras sem olhar o preço, e fui assaltado sem arma pela caixa sorridente.
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Corri para o bar e dou de cara com uma fila me esperando. Meu sócio me xinga dizendo que eu não deveria ter me preocupado em ir para a casa vestir um terno. O primeiro dos clientes já estava na fila. O garçom sentado fumava. A garçonete segurando uma espumadeira apenas me olhava.
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Entramos, montamos o bar, e tivemos uma noite maravilhosa, mas é lógico que o público não teve preça de ir embora. Quando os ponteiros do relógio acusam as quatro da manhã, a segunda-feira que já era terça acabou em uma mesa com oito pessoas, e eu contando essa história.
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A preça realmente é inimiga de quem quer atrasar sua vida, mas não precisa ter preça de ir embora do bar, pois sempre no final de noite, um pequeno grupo de boêmios rodeia uma mesa onde tropeços viram piadas, onde o asar vira sucesso, e onde a preça vem calma e serena sentar-se ao nosso lado para desejar a todos um boa noite sorridente e aconchegante.