quinta-feira, 13 de novembro de 2008

QUANDO SE TEM UM CARRO VELHO, O QUANTO VALE UM GRANDE AMIGO


Então você comprou aquele carrão quase zerinho, e os seus amigos já cercaram você no estacionamento e começaram com a arcaica piadinha “ e os meus deizão nada”. Você saiu do estacionamento se julgando um galã global, e algumas mulheres na rua passaram a te olhar com outros olhos no trânsito. Finalmente você entrava para o seleto grupo dos “bem motorizados”.
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O tempo foi passando e você nem viu. Quando alguém lhe fazia uma proposta para comprar o carrão, você respondia com o dobro do valor do mercado. Mas o tempo continuou passando, e você nem aí. Um certo dia você percebe que seus amigos deixaram de fazer lances para o seu carro, e naquele dia, quando você embarca no carrão, você vê seu retrovisor interno despencar sobre seu colo.
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Pronto. A verdade veio a tona e a ficha caiu junto com o espelho retrovisor. Você é o proprietário de uma nave, algo de outro mundo, que ninguém mais tem e nem se interessa em ter um. Quando você percebe que o carro esta velho, apesar de sua ligação emocional com o bólido, você compra o Alô Negócios (coisa de pobre mesmo), para dar uma olhadela no preço de mercado da ferragem. Foleando as páginas, em negrito você vê o anúncio: TROCO CARRINHO DE CACHORRO QUENTE POR SOM, CARRO DE MENOR VALOR, MENOS ESPERO (Não insista).
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Então vem a imagem do vendedor que te entregou as chaves da barca na concessionária, dizendo em alto e bom tom que aquele carro jamais iria desvalorizar. Você pensa também na mãe desse vendedor, mas antes que a ira faça você começar a temporada de caça à criatura, você se dá conta de que está com o bólido há mais de dez anos. Opa! Há dez anos atrás, um Pentiun 233 era sonho de consumo de qualquer Escritório de Advocacia de Respeito. Porquê o carro não poderia envelhecer também.
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Neste dia você finalmente descobre o que realmente significa a palavra casamento. Você definitivamente está casado com a ferragem, e não adianta pensar em se livrar. Ninguém virá buscar. Surge então a idéia de reforma.
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Um pneu novo (aliás são quatro), um joguinho de rodas, um insufilm, mas nada adianta. A caranga não perde aquele ar “senhoresco”, com os traços de avô, e precisando de uma bengala. Seu destino está definido. O máximo que você vai conseguir, é vender a caranga daqui uns vinte anos para a Rede Globo gravar alguma novela de época que se passe nos anos 90.
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Nessas horas os amigos são importantes. Eles não abandonarão você só por causa do seu bólido, apesar de rirem aos montes em sua chegada nos churrascos. Tudo bem, afinal, sempre gostei de comédia. Apenas acho que não deveria se passar dentro do meu próprio carro e sem público pagante.
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Hoje, cansado de ver o meu querido automóvel (e por mais que outros não queiram, eu o chamo assim. Sim, ele é meu automóvel), arrastar o cano de escape como se estivesse tentando arar o asfalto do centro de Curitiba, levei ao meu bom amigo Hector, da Rota 27, para ver se em algum armário velho, ele encontraria uma borracha de sustentação do escapamento.
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Erguemos o carro, enquanto ele dizia que era melhor eu procurar no museu do automóvel. Enquanto o carro erguia, um rasgo no pneu do tamanho da falha de San Andreas, que se explodem na estrada, São Francisco nenhum dará um jeito de salvar sua pele.
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Certo, então trocamos o pneu também Hector.
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Enquanto o carro esta erguido, pensei que o serviço de lavagem era gratuito, pois uma enorme quantidade de líquido corria por debaixo do carro. Só então fui perceber que se tratava da mangueira do respiro do tanque de gasolina, e o que escorria pelo chão, era justamente os trocados que eu pretendia usar no final de semana no parque com meu filho. Solto o grito: Tampem essa mer...cadoria! Eu não posso perder dinheiro assim (mas como se pode perder aquilo que nunca se encontrou?)
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Depois de uma hora fuçando no tanque para cessar o vazamento, chega a hora de pagar a conta. Um pneu, duas borrachas, uma mangueira, mais a mão de obra. E eu só tenho R$ 50 no bolso. Como é que vou acertar a situação agora.
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Quando chego ao caixa já com o grito pronto: Fui assaltado!, Hector olha para mim e diz. Fica tranquilo Samuca, me dá “deizão” da borracha e está tudo certo.
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Olhei incrédulo. E quando insistia para ele para pagar os únicos R$ 50 que tinha, ele sorri e me desabafa. Sabe o que é Samuca? É que adoro trabalhar com velharia.
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Nessas horas é que entendemos que amigos são extremamente importantes, embora nem sempre lhe façam bem à sua auto-estima.
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Em falar em auto-estima, quem sabe a minha sofra exatamente por eu não ter diferenciado a auto-estima da estima pelo auto.

Um comentário:

Váva Baptista disse...

Samuel,
Adorei essa história de casar-se com carro velho. Também fui proprietário de carrão dos anos 90(claro!) que foi difícil vendê-lo, aperto no coração, carro desvalorizado, etc, etc...tudo que deve ter passado...
Gostei da sua história !
Vou visualizar seu Blog com mais frequencia.

Abraços e Keep writing

Vavá