quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A GRANDE LOTERIA DA VIDA (Samuel Rangel)

(Este texto é dedicado ao meu grande amigo Daniel Canha, feito em meio a uma conversa nossa pelo MSN)

Existem por aí loterias de todas as espécies, legais e ilegais, reguladas pelo estado ou pela iniciativa privada. Cada uma delas promete um prêmio. Algumas dão um carro, outras dão uma moto, existem aquelas que dão casas, e a grande maioria delas, dá prêmios saborosos em dinheiro.

Ao iniciar a minha quinta década, posso dizer que alguns panos da ilusão caíram descortinando verdades também de todos os tipos, inclusive revelando que a vida é uma grande loteria, e o mundo uma grande casa lotérica, cheia dos apostadores eufóricos, uns otimistas, os outros contando com o ovo ainda não botado pela galinha (leia como quiser). E vejo ainda aqueles que fazem bolões, e que para vencer, unem-se aos montes. Outros apostam seus míseros tostões para tentar a sorte.

E do pouco que aprendi sobre a vida, posso dizer que já ganhei muito. Ganhei depois de errar e tantas vezes errei tentando acertar.

Aprendi algumas coisinhas.

As melhores roupas não devem ser usadas para que a gente faça o jardim, e nem podemos viver com belas roupas sem ter um jardim que nos acalme a alma.

Aprendi que carros esportivos são ótimos na estrada, mas não nos levam às praias desertas.

Aprendi que belas mulheres são colírios para os nossos olhos, mas aprendi ainda que quando elas são mais mulheres do que belas, são um remédio para a alma.

Aprendi que às vezes é preciso fugir do amor, por amor próprio.

Aprendi que amigos às vezes dizem sim apenas por amizade.

Aprendi que o trabalho enobrece o homem, mas desde que ele pense no que trabalha e no que faz pelo homem em seu trabalho.

Aprendi que palavrões têm sua própria hora, e eles fogem de nossas bocas, feito crianças serelepes. Mas eles não devem jamais assustar as pessoas à nossa volta. Mas eu aprendi também que as palavras que parecem belas nem sempre não verdadeiras, e o que não é verdadeiro jamais será belo.

E descobri que ao ter um filho, morremos um pouco para nós e nascemos para a eternidade.

Descobri que gosto mais do azul do que de vermelho. E realmente prefiro o branco à cor preta, mas que me vestir de preto às vezes me dá a melancolia calma que a felicidade precisa.

Descobri tantos temperos insensatos que fazem do sabor algo insuperável. E descobri que não basta misturar os gostos deliciosos para se fazer apreciar um bom paladar.

Aprendi que existem coisas maravilhosas que devem ficar separadas. E só são maravilhosas quando estão só.

Descobri que um relacionamento tem um certo prazo de validade, ainda que esse prazo seja maior que uma vida. E descobri que pessoas que passam rapidamente pela nossa vida, acabam nos dando lições tão valiosas quanto a própria vida.

Descobri que não basta nossa boca dizer um “muito obrigado” enquanto nossos olhos contemplam a vantagem que nos deram.

Descobri que presentes caros ou baratos, podem quebrar, perder a utilidade, ou mesmo nos fazer mal.

Nesse tempinho que tanto acho tanto, descobri que nossas descobertas nem sempre são verdadeiras, mas nem por isso devemos deixar de dividi-las com aquelas pessoas que tanto amamos.

Hoje eu sei que ainda não me conheço, e muito provavelmente, passarei o resto da vida surpreendendo-me com minhas capacidades e incapacidades.

Passarei o resto da vida criando e superando medos, para um dia quem sabe entender que eles sejam metades de uma mesma coisa boa.

Passarei o resto da minha vida sem saber explicar o que é o amor.

Mas se alguém quiser saber o que é o amor, quando eu olhar para o meu filho, apenas olhe para os meus olhos e procure não escutar o que eu falo.

Quanto à loteria da vida?

Às vezes estamos no balcão, com o palpite mais quente que nos veio à cabeça.

Então um suposto infeliz nos bate e faz marcar errado o nosso palpite. Ao sairmos da lotérica percebemos o erro, e o cidadão está ao nosso lado.

Quer minha opinião?

Espere sair o resultado antes de xingar o cidadão.

Às vezes é o destino que nos empurra, e seria uma tolice xingar essa criança brincalhona que é o destino. Sei que o destino às vezes é cruel, mas não deixa de ser aquela criança brincalhona escolhendo a formiga no jardim. É o destino.

E a vida? Onde fica a grande loteria da vida?

É a única loteria que o entrega o prêmio antes de fazer-mos as apostas.

O prêmio é a própria vida.