domingo, 17 de fevereiro de 2008

SAUDADES, TRISTEZAS E NOSTALGIAS, NUM DOMINGO DE VINTE E CINCO HORAS (Samuel Rangel)

Em um domingo com vinte e cinco horas, teríamos uma hora de lambuja para que nossos pensamentos tristes viessem nos chacoalhar a cabeça, e com certeza, sabendo dos milagres ingratos que o domingo realiza na cabeça de tantos, o normal seria que ele realmente conseguisse me fazer algumas tristezas hoje.

Então alguém me perguntou do passado, de colegas de faculdade, dos colegas daquela banda de garagem. De forma interessante, o que me veio não foi a tristeza, mas sim uma saudade interessante, gostosa, com gosto de nostalgia.

Então me lembrei de alguns momentos e pessoas que a minha cabeça permitiu.

Como era de se imaginar, lembrei dos meus amigos da Confraria do Curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, e dos brindes cantados na Cantina do Seu João. Por um minuto fiquei calado, e logo percebi que era um bom momento para sorrir escrevendo. A eles levanto um brinde imaginário agora.

“Há anjos boêmios,
destes que freqüentam estes antros noturnos,
que são o sonho dos humanos.
São esses que finalmente intercedem por ti.
O resto?
É dedo duro.
E demais a mais,
por que não sabes o que te reserva o amanhã
busca ser feliz hoje.
Ao claro do luar, senta-te e bebe. Senta-te e bebe. Talvez não te encontre amanhã a lua”.

Jamais vou ser tolo em tentar afirmar, que esta saudade nostálgica não traz um gosto amargo ao pensarmos que aqueles bons tempos não voltam mais, porém, a sensação de tê-los vivido faz um sorriso brotar gentilmente em meu rosto.

Sim.

Poderíamos mastigar incansavelmente a poesia de Oswaldo Montenegro quando fala da Lista, pois não preciso fazer alista de grandes amigos que eu mais via há dez anos atrás. E não preciso nem dizer que não os vejo todo dia, e que a grande maioria eu não encontro mais.

Mesmo em relação a mim, eram outros os sonhos que eu tinha, dos quais muitos eu desisti de sonhar, dentre eles o amor jurado para sempre, que eu não consegui preservar. Mas dentre os versos desta poesia contundente, acho que realmente dentre alguns defeitos meus que o tempo sanou, havia algo que podia fazer parte do que era o melhor que havia em mim.

Mas é assim. Perde-se a força da rebeldia, e se ganha a calma dos provérbios.

Mas Oswaldo Montenegro, com a lâmina de um gênio, fere a todos quando indaga sobre quantas pessoas que você amava, hoje acredita que amam você.

Antes que possa sangrar a alma deste que escreve e daquele que lê, vamos lembrar que a música nos deu outros gênios, com outras parcelas de razão, sapiência e poesia.

Enquanto algumas belas palavras cortam, outras fazem cicatrizar.
Lembrei-me da paz que sempre me passou a voz calma de Almir Sater, e consegui até me sentir em uma varanda imaginária, como a varanda do meu compadre Sandro, ou mesmo o terraço de Jorge, com a viola no colo. Então a filosofia cabocla e de retidão ímpar do Pantaneiro me consolou esse domingo demorado, pois quem tem viola não carece de transporte, se for pra mode ir-se embora dos sertões, pois mundão afora ele desce de carona, e dos sonhos sob a lona o requinte faz canções. Peguei carona então nestas palavras e até ousei orar herege ao destino, que se por ventura me puder oferecer a boa sorte, um passaporte para além dos rumos meus, vou sem demora, durmo hoje sob a ponte, pois aos longes do horizonte a manhã se prometeu. Neste domingo, como se tivesse deitado agora em um quarto de hotel, sem ter mais céu pra me servir de cobertor, a nostalgia é meu vinho velho que me conforta o calafrio, e ao fazer palavras com palavras do outro, minha canção sai no feitio de um poeta fingidor. Mas sem querer roubar suas palavras Almir Sater, o que me salva deste domingo é a parte de sua música que tantas vezes repeti: Saudade é o diploma de quem tem boca e foi a Roma.
Tristeza é mula brava, corcoveia, mas se doma.

Então acho que por isto estou livre do açoite deste domingo de vinte e cinco horas. Não sou mais uma criança egoísta, embora pensamentos infantis rondem minha cabeça com certa freqüência, e só a idade me permitiu confessar isso.

E se tenho saudades é por que vivi, e se vivi, tenho mais a agradecer do que lamentar.

Claro que tenho saudades da Confraria, da Banda de Garagem, dentre tantas outras bênçãos que Deus me deu por algum tempo.

Alguns amigos simplesmente vão para atender outros chamados, por que é seu tempo.

Outros se entregam aos compromissos profissionais e deles não conseguem escapar para degustar desta nostalgia, por que é seu tempo.

E não seria bobagem também reconhecer que tantos amigos, são tão amigos que acabam se revelando como simples conhecidos, e que ao primeiro impasse, ou mesmo na primeira oportunidade, não sentem qualquer receio de se revelar como pessoas que estão ao nosso lado apenas por interesses e vantagens que lhes oferecemos. Também eles têm seu tempo.

E isso me fez pensar mais uma vez na Confraria daquele curso de Direito. E mais uma vez dei graças a Deus por testemunhar e ter vivido aqueles dias. Sei que os confrades têm seus próprios dias. Alguns trabalham o dia todo e até a boca da noite. Outros, os concursos e as ofertas de emprego levaram para além das divisas do Paraná. Juízes, Delegados, Promotores e Advogados com suas mesas abarrotadas de processos que lhe consomem a hora e a vida.

Por isso, nós os Confrades, não conseguimos mais lotar aquela mesa do Costelão do Tadeu. E nem mesmo conseguimos sentar-se nas mesas do Ponto Final para ouvir o colega Riad tocar. Não haverá mais tempo para que elaboremos uma nova versão de Rosinha em Blues, ou algo do tipo. Também não se fazem mais Quinta no CAHS. Então nos esbarraremos pela Rua XV com cabelos brancos, mas sem mágoas uns dos outros. Confrades e amigos eternos, ainda que ausentes, pois apenas furtados de nossa convivência em função de termos alcançado nossos sonhos, nosso tempo, e nosso espaço.

Resta-nos agora a lembrança, e a alegria de ter vivido aqueles dias.

Como de poetas e música eu me inspirei neste texto, seria no mínimo uma tolice deixar de falar de Vinicius de Moraes, pois pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, se não, não se faz um samba não. Um bom samba é uma forma de oração, é a tristeza que balança, e que tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não.

Então, não tenho mais medo de domingos com vinte cinco horas.

Terei neles uma hora a mais para lembrar e agradecer tudo o que aconteceu comigo. Uma hora a mais para agradecer tudo que aprendi.

Terei uma hora a mais para aprender que se a saudade pode ser tristeza, mas a nostalgia...

A nostalgia pode trazer a felicidade para quem realmente se permitiu viver.




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