terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O OURO, AS BODAS, E AS BODAS DE OURO

O tempo passou, e vivemos hoje uma época de coisas efêmeras, voláteis e frágeis, que com o passar dos dias, perdem o brilho do novo.
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Assim nos dias de hoje as coisas funcionam por pouco tempo. Por isso aprendemos a ficar atentos com o prazo de validade de tudo, e hoje o homem se julga o “grande criador” por todas essas coisas passageiras que criou. Realmente a evolução vem nos surpreendendo com uma tecnologia que dispara muito à frente de nosso próprio conhecimento.
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Mas com toda essa tecnologia, que está estampada nas janelas da internet, nos carros computadorizados, na automação de quase tudo, e na comodidade de controles remotos, ainda nos restam indagações sobre qual o caminhos que estamos tomando.
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O verdadeiro sábio jamais deixará de se perguntar o que perdemos do dia de ontem, e verá para esta pergunta respostas preocupantes, como os desempregados nas industrias automatizadas. Veremos que apesar de termos ganho tempo com tantas facilidades, não temos tempo para estar com nossas famílias.
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Poderemos ainda ver que, apesar de todo luxo e conforto que nossos carros modernos nos oferecem, perdemos a capacidade de escolher e apreciar caminhos que outrora percorríamos lenta e seguramente.
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E há mais. Inclusive neste texto escrito em um computador, veremos que perdemos o charme e a identidade das cartas eternizadas em nossas gavetas, escritas com o DNA de nosso próprio punho.
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Hoje nossas palavras dificilmente vão além do apagar do monitor de nossos computadores, e perdemos muito com isto.
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E esta reflexão é proposta pelo tempo, e pelo que perdemos dos dias que se foram, pois parece que tanta facilidade e tanta superficialidade, atingiram diretamente o relacionamento entre as pessoas, e muito mais ainda, o relacionamento entre homem e mulher, criando a ideia de passageiro para algo que deveria ser muito mais duradouro. Parece que nos tornamos tão frios, que tratamos as pessoas como descartáveis.
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Casamentos que começam em grandes festas passam terminam de forma beligerante nos corredores dos fóruns de família. Parece que nem champanhe importado, nem festas faraônicas são capazes de dar sustentação às relações de hoje em dia.
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A comparação surge de um exemplo dourado neste momento.
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Na manhã de 28 de fevereiro de 1959, Carlos e Mirian subiram ao altar da Igreja do Bigorrilho, Nossa Senhora das Dores, hoje conhecida como Igreja dos Passarinhos, para o Sacramento do Matrimônio. A capital rodeava o Palácio do Catete, os carros charmosos eram exclusivos de famílias abastadas. Lá Carlos e Mirian trocaram o encantador sim em um casamento simples e verdadeiro. Após dois anos de namoro, deixavam as suas vidas de solteiro para começar um casamento.
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Revirando anos mais tarde os papéis velhos em um armário de minha casa, encontrei uma carta de João Rangel Filho, para Carlos Silveira, informando a este que ele se encarregaria de trazer as galinhas e o leitão para a festa do casamento. Uma festa simples que seria organizada com humildade na sociedade Bigorrilho. Após uma única foto, tirada diante da imagem de Santa Terezinha, uma lua de mel no litoral paranaense, na associação Banestado, quarto 13, oferecida por Antônio Pupo Silveira, irmão de Carlos. No mesmo tom simples e verdadeiro que a realidade permitia.
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Para constituir seu lar, alugaram uma casa de fundos, de três peças, no Bigorrilho, onde ano e meio mais tarde, abril de 1960, o berço de seu primeiro filho dividiria o espaço do pequeno quarto. Depois do nascimento de Sérgio, Deus abençoou o casal com o nascimento de Sandra, e pouco tempo depois, de Sidney, que pela vontade de Deus acabou falecendo poucos meses depois. Nesta época Carlos e Mirian já tinham feito alguma economia para financiamento de um apartamento do IAPC, mas tiveram que o se desfazer do dinheiro para pagar as despesas médicas com o tratamento frustrado do filho que não suportou a doença e acabou falecendo em janeiro de 1963.
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Em julho de 1964 a felicidade retornou ao lar com a chegada de Silvio, e em dezembro de 1966, eu alcançava a benção de nascer no seio de tão nobre família. Em junho de 1973 Sibele encerrava a prole, e desta época já tenho minhas lembranças.
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Lembro-me de um homem que trabalhava de manhã, de tarde, e a noite como professor, para sustentar a família com toda dignidade, palavra essa que sempre foi um norte para Carlos e Mirian. Lembro-me de uma mulher que se embrenhava na arte da costura, trico e crochê para vestir os filhos, desmanchar e refazer, casacos e roupas, tudo isso para tornar mais leve a carga do sustento da grande família.
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Lembro ainda dessa grande mulher debruçada sobre a mesa, exigindo dedicação e capricho dos filhos em seus deveres de casa, deveres esses que os conduziram pela mão até os bancos da universidade em uma época que isso não era para todos.
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Lembro-me do Gordini que nos levava em nossas viagens sem pompa, e tenho clara a imagem do Opala verde encostando na frente da casa da Saldanha Marinho, oferecendo-se como o novo carro, mais confortável para a família Rangel Silveira.
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Nas viagens de férias, nunca negadas pelo meu pai, nem no verão e nem no inverno, curtíamos o conforto e a alegria do SESC de Caiobá, e nunca nos preocupamos com existência de outros hotéis. Em 1975, o Camping surgiu como opção de veraneio, muito mais interessante pela liberdade de poder conhecer outros lugares. E foi assim que conhecemos o litoral brasileiro do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro, viajando apertados no Opala verde, que carregava no bagageiro os enormes três sacos de ferragens e panos da barraca Vila Rica.
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Um casal que jamais deixou de desfilar graça e beleza, flutuando ao som dos boleros, tangos e sambas tocados pela orquestra no Salão do Clube Três Marias. E foi naquele salão que tive a honra de aprender a dançar com minha mãe.
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Os almoços de domingo onde dividíamos com igualdade a gasosa Cini ou a única garrafa de refrigerante. As comemorações pelas conquistas dos filhos, e a presença certa nos momentos difíceis. Um novo sentido para a palavra união.
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A preocupação de nos ofertar alguma diversão nas festas do Movimento de Irmãos, onde fizemos tantos amigos.
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O velho Pinheirinho de Natal com galhos soldados na chama do fogão, que iluminava as noites de Natal para nos despertar a espiritualidade fundamental aos homens de bem.
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Aprendemos naquela época lições que seriam reforçadas ao longo de nossa educação, sempre apontada para a dignidade e a honestidade de um casal exemplar, que reabrem minha alma neste momento e me obrigam escrever algo em homenagem e agradecimento a eles, por oportunidade da comemoração de suas Bodas de Ouro.
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Cresci sendo testemunha de algumas atitudes que ficarão como diamantes em minha lembrança.
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Fui testemunha das flores que Carlos dedicou a Mirian em cada 28 de fevereiro, todos os anos, nunca esquecendo-se de um aniversário de casamento, e tive a felicidade de ler os cartões inundados de amor verdadeiro..
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Fui testemunha da admiração e respeito que sempre trocaram em palavras e olhares.
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Testemunhei o diálogo como forma de superar a discussão nas atribulações que batiam à porta de nossa casa.
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Ouvi com admiração a afinada melodia da concordância entre o casal na forma de criar os filhos.
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Notei claramente a cumplicidade da parceria que fizeram dos dois um casal, sempre buscando a mesma direção, apesar das diferenças naturais existentes em cada um.
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A verdade é que me foram tantos os testemunhos de amor verdadeiro despejados sobre meus olhos ao longo de minha vida, que palavras ficam insignificantes diante do que vi.
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Mas alguns pensamentos me tomam a alma toda vez que os vejo almoçando juntos.
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O tempo é como o vento. O tempo tem direção.
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Para aquele que não sabe onde quer chegar, e se encontra perdido, o vento é uma tormenta que flagela aquele que está no lugar errado. Mas para aqueles que sabem exatamente onde querem chegar e qual o caminho a trilhar, ainda que não seja o mais fácil, o tempo é como o vento que infla as velas da nau que dividem, singrando mares agitados e noutro momento oferecendo-lhes a calmaria, onde as reservas passam a ter valor.
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O tempo é como o vento que afaga o rosto de quem tem coragem para olhar e superar as dificuldades, pois ele é uma canção ao passageiro, mostrando claramente o que vai e o que fica, o que é passageiro e o que é eterno.
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O tempo é relativo para aqueles que olham a essência das coisas. O tempo é como o vento, que vez por outra irá levantar os mares em exibição de força e poder, mas jamais vai retirar dele o azul que se esconde por baixo das ondas que quebram.
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E se o tempo é tudo isso, o que se há de falar quando o tempo se resume a cinquenta anos.
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Cinquenta anos em que pouco se buscou o ouro, mas jamais se esqueceu das bodas. E exatamente pela capacidade de ignorar e não ceder aos apelos do ouro e seus encantos, dia 28 de fevereiro de 2009, suas Bodas são de Ouro.
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Quem sabe mais uma lição deste casal abençoado que tanto amo, meus pais. O ouro jamais é meio. O ouro jamais é uma causa digna pela qual se deva lutar. O ouro não está no mundo das causas, mas sim mundo dos efeitos.
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Por tudo isso, é que desde os primeiro dias de janeiro deste ano, tenho revirado lençóis para escrever alguma homenagem para este maravilhoso casal, tropeçando no meu próprio controle de qualidade, tentando alcançar a perfeição.
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Mas ao chegar aos últimos parágrafos deste texto, descobri que não deveria buscar a perfeição, pois ela não existe em cada um. Seria melhor eu escrever algo carregado com os meus desacertos na língua portuguesa, do que ficar envolvido em um silêncio técnico e estético por medo de despejar minhas emoções nas linhas.
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Não sou perfeito e nem perfeitas são minhas palavras, como eles não o são também. Mas o mais incrível ao pontuar este texto, é que percebo que apesar de não existir um só ser humano perfeito, a união perfeita é possível, é viável e existe. Não a perfeição da estética, mas a perfeição da perseverança, de uma fortaleza capaz de resistir ao tempo, erguida com humildade em bases simples, mas que alcança hoje os céus da admiração de todos os seus filhos e de todos que com eles convivem.
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Uma benção divina que tive a felicidade de receber através de meus pais.