terça-feira, 27 de maio de 2008

O PORTUGUÊS, O BOLINHO DE BACALHAU E A HORTELÃ (Samuel Rangel)

Joaquim Manoel era o proprietário de um restaurante no Sítio Cercado. Dentro das possibilidades, vivia com certo conforto, pois fazia sucesso com o “Bolinho de Bacalhau com Hortelã” que vendia em dúzias. O sabor de tal bolinho era garantia de clientela e sucesso.

Certo dia, quando atravessou a cidade de bicicleta para buscar a Hortelã no Bairro Alto, na casa de Dona Maria, que lhe vendia os maços, recebeu a notícia de que o preço havia dobrado. Sem ter como contornar o problema, aceitou o novo preço, e não conseguiu repassar o custo ao seu Bolinho em virtude da clientela que já tinha.

Passados dois meses, ao encostar a sua Barra Forte no muro da Dona Maria, viu Dona Maria bem vestida sorridente trazendo uma nova notícia. A Hortelã havia dobrado de preço novamente. Joaquim Manoel não teve como fazer nada, pois a hortelã que tinha em seu quintal, não crescia como a hortelã da Dona Maria. E Joaquim arcou com o custo, sem poder repassar aos seus clientes novamente o aumento.

Assim foi sucessivamente até que um dia, quando a Hortelã da Dona Maria era mais cara do que o Bacalhau, Joaquim Manoel teve que repassar o custo à sua clientela. Os clientes não gostaram nada do aumento, e começaram a boicotar o portuga que já não vendia mais os seus bolinhos.
Então, Joaquim Manoel resolveu baixar o preço do bolinho novamente, e para conseguir seguir no ramo, começou a faturar para trinta dias a hortelã da Dona Maria. Pagou a primeira, mas já na segunda fatura, não conseguiu o dinheiro. Dona Maria, que já vestia calça de marca e usava perfume Gucci, continuou fornecendo a hortelã e faturando, mesmo sabendo que não receberia pela venda.

O tempo passou, até que Joaquim Manoel recebeu a visita do advogado de Dona Maria, com um punhado de papéis, cálculos e anotações. Dona Maria havia entrado com uma ação de cobrança, e o valor total era maior do que o que valia o próprio restaurante do portuga. Já na audiência inicial, fizeram um acordo, e o portuga deu o restaurante em pagamento à Dona Maria pela dívida da hortelã.

Passados quase dois anos, o portuga passou na frente daquele que havia sido seu restaurante, e viu uma fachada nova, garçons de avental, e uma bela caixa contabilizando o lucro de uma fila de clientes.

Ao final daquela noite, quando o estabelecimento estava fechando, o portuga resolveu entrar e conversar com o caixa. Tão logo entrou, viu constrangido Dona Maria descer de seu carrão importado e vir buscar o lucro do dia.

Ela o cumprimentou e perguntou como ia. Iniciaram uma conversa rápida, e logo sentaram-se a mesa sem nenhuma pressa, conversando sobre o restaurante e a nostalgia que ele trazia ao português.

Quando já se levantavam para ir embora, ele comentou com ela sobre sua tristeza.

- Eu perdi esse restaurante por uma vontade caprichosa do destino. Este restaurante só não é mais meu, porque a hortelã do Bairro Alto é melhor que a hortelã do Sítio Cercado. A senhora continua trazendo a hortelã da sua casa?

Dona Maria respondeu que não. Ela usava as mudas que tinha no fundo do seu quintal.

Então Joaquim Manoel não se conteve:

- Se a Dona Maria me permite, tenho uma curiosidade. De onde veio essa sua hortelã que durante tanto tempo fez meu sucesso, e agora faz de seu restaurante essa maravilha de empreendimento?

Dona Maria respondeu:

- Daqui mesmo do Sítio Cercado. Eu levei uma muda para minha casa há muito tempo, e ela cresceu muito. Ocupou todo o meu quintal.

Joaquim não entendeu:

- Mas como? Durante muito tempo eu tentei cultivar a hortelã aqui no meu quintal e nunca cresceu tanto e nem tinha o mesmo gosto.

Dona Maria o levou até os fundos do restaurante, e mostrou a ele uma horta enorme, com uma hortelã verde e bonita espalhado por todo o terreno.

Ele então estranhou e perguntou a ela qual era o segredo, pois nunca havia conseguido fazer tal horta.

Ela simplesmente respondeu:

- Não há segredo. É só regar todas as manhãs e no final da tarde também. Elas crescem muito bem aqui.

Joaquim, desconsolado, envergonhado de sua tolice, finalizou:

- Eu não sabia que precisava regar.
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A história que se conta acima, tem o simples propósito de se fazer refletir sobre como tratamos as “coisas” do nosso quintal. Será que estamos dando o tratamento justo? Será que estamos dedicando o cuidado necessário?

Ou será que tanto quanto alguns, estamos indo buscar do outro lado da cidade, do estado, do país ou do mundo, aquilo que temos em nosso próprio quintal. Bastaria a nós, dedicar o mínimo cuidado para ver florescer aquilo que nasce em nosso quintal.

A gratuidade do que temos, não quer dizer que o que é nosso não tem valor.

Quantas são as empresas que gastam milhares de reais para contratar trabalho de artistas dos grande centros, para estampar em suas propagandas e em suas marcas, o rosto daqueles artistas?

Bastaria que, aqui se desse melhores condições, e poderiam essas empresas contar com os talentos de seu próprio quintal, não tendo que ir buscar fora, aquilo que tem de sobra por aqui.

Lembro-me que aos sete anos, fiquei revoltado ao ouvir de meu pai que o Brasil vendia a Borracha para o exterior, e depois tinha que comprar o Pneu que não fabricava por aqui. E eu tinha apenas sete anos e já me questionava por que o Brasil não fabricava seu próprio Pneu.
Entre a matéria prima, e o produto final, existe a necessidade de se dar o devido trato.

O que se faz com o artista paranaense, é mais ou menos isso.

Como não se dá o devido valor por aqui, exportamos de graça a nossa arte para os grandes centro, para que depois eles nos vendam a preço de ouro aquilo que não tratamos bem.

Apenas uma reflexão.

E se você é empresário e está lendo este texto, lembre-se que administrar suas riquezas faz parte do sucesso de sua atividade.

Apóie, incentive e patrocine o artista paranaense, para não ter que pagar dezenas de vezes mais, por algo que você tem em seu próprio quintal.