Nessa vida que nos é tão grata em surpresas, ensinamentos e revelações, aprendi algumas coisas que hoje me valem como trilhos, valores e conceitos que estão a todo tempo sussurrando bons conselhos e advertências, tão amáveis quanto a mãe que diz para a criança não por a mão no forno. E tal qual a criança, nem sempre atendo a esses conselhos com o devido cuidado. Por mais que os ouça, não raras vezes aparece uma criança arteira esticando um dedinho curioso que logo irá se queimar.
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Mas nos diálogos que a vida me trouxe,em uma das noites curitibanas, surgiu um tema interessante: relacionamentos divertidos. Percebi o quanto as pessoas buscam diversão nas outras pessoas, o que não é de se espantar. Mundo frio, obrigações sisudas e compromissos de gravata se encarregam de transformar nossa vida em algo tão chato quanto uma reunião de condomínio de um pombal de classe média. Mas ao término de cada reunião, uma multidão de pessoas sedentas sai enlouquecida atrás de alguma diversão. E estas pessoas normalmente encontram o que procuram.
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Tantas vezes, após dar as costas para o síndico, busquei em uma mesa de bar as gargalhadas enlatadas que estavam prontas para me serem servidas requentadas tão logo da minha chegada. Gravata no bolso e paletó na cadeira, lá estava eu com meus companheiros de copo rindo alto e sorrindo freneticamente a graça que nem tanto existe.
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Então ouço um dia o sussurro, dizendo carinhosamente a mim, que eu deveria aprender algumas diferenças.
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Sobre diferenças, lembro-me uma vez, em minha infância, de ter enfrentado um belo sermão de minha mãe ao retornar da feira com um repolho e sem a alface que ela havia me pedido. Alfaces e repolhos me pareciam tão iguais naquela época, pois eu não comia nem um nem outro. Eu preferia mesmo eram os bifes de casacas, feijão e fritas que me engordavam os dias. A minha adorável mãezinha, com a cátedra que só a maternidade responsável outorga, para me ensinar a diferença fez com que eu comece primeiro o repolho e depois o alface que tive que ir buscar. Embora verdes, eu descobri que a diferença estava na consistência e no sabor. Esse aprendizado me serve até os dias de hoje.
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A diferença entre pessoas e diversões está na consistência de cada uma.
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Não faltam bares de luminosos de colorido atraente que estão a nos chamar todas as noites, para estar com nossos, ou nem tão nossos companheiros de copo, amigos de boteco, colegas de gargalhadas e uma multidão de conhecidos de vista.
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E nos braços da ingenuidade, muitos são aqueles que começam a julgar edificadas suas amizades feitas em bares, erguidas no copo e com a argamassa do álcool e da gargalhada. Mas tão logo a cerveja acaba, a realidade vem mais dourada que os goles. Os companheiros de copo se vão quando o motivo da reunião acaba junto com a última gota. Os colegas de gargalhada se vão quando a graça da última piada tornou-se repetitiva. A multidão de conhecidos de vista é apagada de nossa memória tão logo eles desaparecem do nosso ângulo de vista. E então vamos para a casa dentro de nossa própria existência rever o que nos é verdadeiro e preparar-se para a reunião de condomínio do dia seguinte.
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Só que a professora que chamamos de vida, com o mesmo carinho que a Tia Arlete do Colégio Júlia Wanderley me ensinou o alfabeto na cartilha da Abelinha, também me é bondosa ao mudar o sabor do dia. Então o que ontem era gargalhada, hoje virou um nó na garganta. E os tijolos do alto do muro onde tentamos proteger nossa felicidade começam a desmoronar sobre nossas cabeças. A cada tijolo que cai sobre nós, um ferimento nos impede de tentar salvar o que resta. E tal qual todo humano colocado nesta terra por Deus, ou pelo destino se preferir, nossa existência é bordada com fios de alegrias e tristezas.
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Mas dessa vez, tristes, ao chegarmos naquela mesa de bar, nem os companheiros de copo, nem os amigos de boteco, nem os colegas de gargalhadas, e nem mesmo aquela multidão de conhecidos de vista, estará disposta a nos ouvir em lamúrias.
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Então seremos a mais pura expressão do solitário em meio a multidão. Tentamos disfarçar nossa tristeza mas não somos tão atraentes aos nossos colegas de bar, pois a tristeza nos tirou a graça. Sozinhos por dentro e aparentemente acompanhados, explodimos em vontade de voltar para a casa.
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Chegando em casa, o cão divertido vem nos procurar no portão, com o rabo balançando e uma língua bobona para fora. Mas ignoramos o cão, e ainda assim ele nos acompanha até a porta de nossa casa. Enquanto a chave roda no tambor, deixamos um olhar molhado dedicar uma atenção ao companheiro cão, e vemos nele, um olhar compatível com nosso sentimento.
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Depois de tanto tempo sozinho na mesa do bar, acompanhado por pessoas que são a nossa semelhança, é irônico que justamente no cão a gente possa encontrar a sensibilidade para compartilhar conosco a nossa tristeza. Tão inteligentes, nossos amigos estavam ocupados demais para prestar atenção em nós, enquanto o pobre cão, de tão pouca inteligência que acha graça na bola vermelha tantas vezes lançada no jardim, está lá, comungando conosco de nossa tristeza. Interessante que nestes momentos, o companheirismo as vezes chega a molhar os olhos do animal. Quem sabe isso explique o motivo de tantas pessoas lotarem suas casas com animais e a esvaziarem de pessoas.
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Mas o que houve com nossos companheiros de copo, amigos de boteco, colegas de gargalhadas e aquela multidão de conhecidos de vista?
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Na realidade, não houve nada. Aliás nunca houve nada além da diversão. A divisão dos momentos era fundada única e exclusivamente na diversão que todos buscam após a reunião de condomínio, e se não há diversão, não há absolutamente mais nada.
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Justamente aí surge um problema para o qual a reflexão todo é proposta.
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É justo pensar em pessoas como sinônimo de diversão? Há ética nesse pensamento? Seria esse o motivo de tantos relacionamentos fundamentados exclusivamente em sexo, beleza e dinheiro?
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O mais divertido dos contos não se acaba antes de uma tristeza, e existe algo muito maior nas pessoas do que a simples capacidade que elas tem de nos fazer sorrir. Essas pessoas, tal qual eu e você, ele ou ela, são titulares de uma história perfeitamente imperfeita, e com a benção da vida, e sob a batuta de seu ministério, são titulares de sofrimentos e prazeres, tristezas e alegrias, para as quais não podemos estar desatentos, sob pena de fazer o humano perder o respeito pelo humano.
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É justamente uma questão de respeito que nos deve impedir de tratar as pessoas como diversão. Sejam amigos, familiares ou mesmo a pessoa com a qual nos relacionamos, não podemos trata-las como companheiros de copo, pois um dia a bebida acaba. Não podemos torná-los nossa piada, pois um dia a graça se vai e vamos então preferir a música. E nesse momento tratamos as pessoas como descartáveis? Trocamos os companheiros de copo e tudo está resolvido?
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Não há mal nenhum em procurar estar perto das pessoas que nos divertem e nos fazem rir, mas até onde estamos preparados para continuar ao lado delas quando a tristeza lhe vier? Se não estamos preparados para isso, não temos esse direito.
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A diferença entre as pessoas e a diversão, está na consistência que devemos perceber, quem sabe como alfaces e repolhos, apesar de que alguns gostem de se travestir.
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É sempre bom refletir sobre o que nos une às outras pessoas, para não ter relacionamentos tão voláteis quanto ao álcool.
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Mas nos diálogos que a vida me trouxe,em uma das noites curitibanas, surgiu um tema interessante: relacionamentos divertidos. Percebi o quanto as pessoas buscam diversão nas outras pessoas, o que não é de se espantar. Mundo frio, obrigações sisudas e compromissos de gravata se encarregam de transformar nossa vida em algo tão chato quanto uma reunião de condomínio de um pombal de classe média. Mas ao término de cada reunião, uma multidão de pessoas sedentas sai enlouquecida atrás de alguma diversão. E estas pessoas normalmente encontram o que procuram.
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Tantas vezes, após dar as costas para o síndico, busquei em uma mesa de bar as gargalhadas enlatadas que estavam prontas para me serem servidas requentadas tão logo da minha chegada. Gravata no bolso e paletó na cadeira, lá estava eu com meus companheiros de copo rindo alto e sorrindo freneticamente a graça que nem tanto existe.
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Então ouço um dia o sussurro, dizendo carinhosamente a mim, que eu deveria aprender algumas diferenças.
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Sobre diferenças, lembro-me uma vez, em minha infância, de ter enfrentado um belo sermão de minha mãe ao retornar da feira com um repolho e sem a alface que ela havia me pedido. Alfaces e repolhos me pareciam tão iguais naquela época, pois eu não comia nem um nem outro. Eu preferia mesmo eram os bifes de casacas, feijão e fritas que me engordavam os dias. A minha adorável mãezinha, com a cátedra que só a maternidade responsável outorga, para me ensinar a diferença fez com que eu comece primeiro o repolho e depois o alface que tive que ir buscar. Embora verdes, eu descobri que a diferença estava na consistência e no sabor. Esse aprendizado me serve até os dias de hoje.
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A diferença entre pessoas e diversões está na consistência de cada uma.
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Não faltam bares de luminosos de colorido atraente que estão a nos chamar todas as noites, para estar com nossos, ou nem tão nossos companheiros de copo, amigos de boteco, colegas de gargalhadas e uma multidão de conhecidos de vista.
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E nos braços da ingenuidade, muitos são aqueles que começam a julgar edificadas suas amizades feitas em bares, erguidas no copo e com a argamassa do álcool e da gargalhada. Mas tão logo a cerveja acaba, a realidade vem mais dourada que os goles. Os companheiros de copo se vão quando o motivo da reunião acaba junto com a última gota. Os colegas de gargalhada se vão quando a graça da última piada tornou-se repetitiva. A multidão de conhecidos de vista é apagada de nossa memória tão logo eles desaparecem do nosso ângulo de vista. E então vamos para a casa dentro de nossa própria existência rever o que nos é verdadeiro e preparar-se para a reunião de condomínio do dia seguinte.
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Só que a professora que chamamos de vida, com o mesmo carinho que a Tia Arlete do Colégio Júlia Wanderley me ensinou o alfabeto na cartilha da Abelinha, também me é bondosa ao mudar o sabor do dia. Então o que ontem era gargalhada, hoje virou um nó na garganta. E os tijolos do alto do muro onde tentamos proteger nossa felicidade começam a desmoronar sobre nossas cabeças. A cada tijolo que cai sobre nós, um ferimento nos impede de tentar salvar o que resta. E tal qual todo humano colocado nesta terra por Deus, ou pelo destino se preferir, nossa existência é bordada com fios de alegrias e tristezas.
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Mas dessa vez, tristes, ao chegarmos naquela mesa de bar, nem os companheiros de copo, nem os amigos de boteco, nem os colegas de gargalhadas, e nem mesmo aquela multidão de conhecidos de vista, estará disposta a nos ouvir em lamúrias.
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Então seremos a mais pura expressão do solitário em meio a multidão. Tentamos disfarçar nossa tristeza mas não somos tão atraentes aos nossos colegas de bar, pois a tristeza nos tirou a graça. Sozinhos por dentro e aparentemente acompanhados, explodimos em vontade de voltar para a casa.
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Chegando em casa, o cão divertido vem nos procurar no portão, com o rabo balançando e uma língua bobona para fora. Mas ignoramos o cão, e ainda assim ele nos acompanha até a porta de nossa casa. Enquanto a chave roda no tambor, deixamos um olhar molhado dedicar uma atenção ao companheiro cão, e vemos nele, um olhar compatível com nosso sentimento.
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Depois de tanto tempo sozinho na mesa do bar, acompanhado por pessoas que são a nossa semelhança, é irônico que justamente no cão a gente possa encontrar a sensibilidade para compartilhar conosco a nossa tristeza. Tão inteligentes, nossos amigos estavam ocupados demais para prestar atenção em nós, enquanto o pobre cão, de tão pouca inteligência que acha graça na bola vermelha tantas vezes lançada no jardim, está lá, comungando conosco de nossa tristeza. Interessante que nestes momentos, o companheirismo as vezes chega a molhar os olhos do animal. Quem sabe isso explique o motivo de tantas pessoas lotarem suas casas com animais e a esvaziarem de pessoas.
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Mas o que houve com nossos companheiros de copo, amigos de boteco, colegas de gargalhadas e aquela multidão de conhecidos de vista?
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Na realidade, não houve nada. Aliás nunca houve nada além da diversão. A divisão dos momentos era fundada única e exclusivamente na diversão que todos buscam após a reunião de condomínio, e se não há diversão, não há absolutamente mais nada.
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Justamente aí surge um problema para o qual a reflexão todo é proposta.
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É justo pensar em pessoas como sinônimo de diversão? Há ética nesse pensamento? Seria esse o motivo de tantos relacionamentos fundamentados exclusivamente em sexo, beleza e dinheiro?
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O mais divertido dos contos não se acaba antes de uma tristeza, e existe algo muito maior nas pessoas do que a simples capacidade que elas tem de nos fazer sorrir. Essas pessoas, tal qual eu e você, ele ou ela, são titulares de uma história perfeitamente imperfeita, e com a benção da vida, e sob a batuta de seu ministério, são titulares de sofrimentos e prazeres, tristezas e alegrias, para as quais não podemos estar desatentos, sob pena de fazer o humano perder o respeito pelo humano.
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É justamente uma questão de respeito que nos deve impedir de tratar as pessoas como diversão. Sejam amigos, familiares ou mesmo a pessoa com a qual nos relacionamos, não podemos trata-las como companheiros de copo, pois um dia a bebida acaba. Não podemos torná-los nossa piada, pois um dia a graça se vai e vamos então preferir a música. E nesse momento tratamos as pessoas como descartáveis? Trocamos os companheiros de copo e tudo está resolvido?
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Não há mal nenhum em procurar estar perto das pessoas que nos divertem e nos fazem rir, mas até onde estamos preparados para continuar ao lado delas quando a tristeza lhe vier? Se não estamos preparados para isso, não temos esse direito.
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A diferença entre as pessoas e a diversão, está na consistência que devemos perceber, quem sabe como alfaces e repolhos, apesar de que alguns gostem de se travestir.
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É sempre bom refletir sobre o que nos une às outras pessoas, para não ter relacionamentos tão voláteis quanto ao álcool.