Partindo
Sem a mesma graça que cheguei, eu fui partindo.
Como aquele velho quadro que com o tempo vai perdendo a cor, o brilho que eu tinha nos olhos foi apagando. Como se não houvesse qualquer culpa, eu parti. Não olhei para traz e nem toquei os lábios para lembrar do último beijo. Carregando na alma um gostoso vazio de não ter nenhum compromisso. Carregando aquela velha e tola felicidade de não dever nada para ninguém.
Parti olhando ao longe, como o cavalo árabe que escolhe o campo de seus caprichos. No antagonismo da partida levei tempo para entender.
Percebi que falta-me algo, e nada posso fazer.
Falta-me aceitar dois dias iguais.
Falta-me acostumar-me com o mesmo caminho.
Falta-me gostar da mesma cama e saber cobrir-me com as mesmas cobertas.
Falta-me saber ser o mesmo homem durante dois dias seguidos.
Assim eu parti. Sabendo que logo estarei em outro lugar. E logo depois estarei dando as costas novamente, com o mesmo rosto frio.
Assim eu parti.
Como se gostasse de viver de lembranças.
Como se houvesse a necessidade de acabar para poder avaliar.
Como se o durante fosse pior que o depois.
Percebi que meu jeito de viver a vida é muito parecido com o que escrevo. Só consigo gostar do que fiz após encerrar a última linha. Uma relação doce com o ponto final. Simples e pequeno, o ponto final passou a ter uma bela relação com minha vida.
Ao final de cada verso, de cada poema, um ponto final.
Um triste símbolo do que acabou ...
... o melhor presságio de que algo está por vir.
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