domingo, 19 de agosto de 2007

PESSOAS E INSTRUMENTOS MUSICAIS por Samuel Rangel

Entre pessoas e instrumentos musicais – Parte I


Não combina com os meus conceitos a idéia de que pessoas sejam objetos, mas exatamente por existir uma alma, características próprias, traços e detalhes que diferenciam um instrumento do outro, nesse mundão ondem as vezes da vontade de ser um ET, vejo pessoas com dificuldades em se relacionar, de encontrar um parceiro.


Então gostaria de fazer uma comparação, pedindo desculpas pelo humor, mas que ao menos permita fazer pensar em diferenças e desejos.


A iniciação na música não deve começar sem que antes se escolha um instrumento. Muitas vezes, escolhemos o instrumento que esta à mão. Normalmente um violão velho com cordas acabadas. Não raras vezes um atabaque. Mas com o passar do tempo, o contato com a música nos abre os ouvidos e o coração.Então olhamos para o velho violão e descobrimos que ele tem limites.


Em um dia de sorte quando sobra algum dinheiro, vamos então a uma loja e vemos violões novinhos, Fender, Takamine, Tajina, Yamaha. Olhamos encantados aquelas paredes repletas de opções. Essas opções nos deixam em dúvida. Como resolver?


Em que pese parecer um convite à promiscuidade, é de se pedir para afastar qualquer malícia. Se há dúvida, toque, primeiro um, depois o outro, e assim por diante. Se você se permitir a sensibilidade, verá que um se acomoda melhor em seu colo, outro tem cordas mais suaves que não rasgam seus dedos, o terceiro tem um som doce e profundo, mas que é encoberto por sua voz.


E assim você passará uma manhã, uma tarde e quem sabe iniciará a noite sem que a decisão seja tomada.


Pois bem, quando chegar a noite, vá ao seu bar predileto, ouvir o músico que mais gosta. Enquanto ele toca o violão que ele escolheu, passe os olhos para o ambiente. Você verá que cada pessoa tem sua própria alma. Não haverá uma só alma que deixe de ter uma qualidade, mas na perfeita simetria, no outro canto do bar, também não haverá uma só alma que não deixe de ter um defeito.


A questão é simples. As coisas são tão imperfeitas quanto nosso colo, nossa voz e nossa alma.


Samuel Rangel





Pessoas e instrumentos musicais - Parte II






Após aquela noite, como você ainda não tomou a decisão, surgirá a vontade incontrolável de ir à loja e fazer a escolha. E é comum você achar que é aquele violão, tampo claro, braço macio, e som doce, o violão de sua escolha.

Exatamente por ter sofrido muito com isso, arrisco um conselho. Antes de aceitar o ímpeto de ir à loja, coloque em seu colo mais uma vez o velho violão de guerra. Garanto que haverá nele também uma qualidade que você ainda não tinha valorizado. É assim mesmo! Agora a dúvida já ronda também a possibilidade de ficar satisfeito com o velho violão, mesmo sabendo que ele tem limites.

Como dinheiro não é coisa fácil, você resolve não mudar. E passará mais algum tempo com ele, até que um certo dia, o aprimoramento de seu ouvido lhe indicará um defeito grave. Esse violão não afina mais. E agora? É inevitável. Você voltará a loja.

E nas paredes da loja ampliada, você verá novos modelos. A dúvida aumenta, mas o seu crescimento pessoal também exlcui de pronto algumas opções. Aquela marca não é boa, aquele não tem som e aquele outro machuca demais as mãos. E ainda que existam mais violões pendurados, dessa vez você se dedicará apenas a dois ou três. Ao contrário da primeira visita à loja, você não necessitará de mais que duas horas para fazer sua escolha. Pronto. Você escolhe, descobre que é mais caro do que imaginava, mas vai ao caixa com certa alegria.

Abraçado com seu novo companheiro você começa a dar os passos em direção a porta. Enquanto o vendedor esta embrulhando sua escolha, você fica olhando com desdem todos aqueles violões ali. Aqueles violões roubaram sua atenção por tanto tempo, mas agora você sabe que é bem pior do que aquele que você escolheu.

Orgulhoso você recebe a caixa com o seu novo xodó. Agradece o vendedor como se ele fosse um padre que abençoa um casamento. E pronto. Sua alegria esta estampada em seu rosto, e quando você esta saindo da loja.. puta merda. Você passa por um cidadão tocando um piano. Você ouve aquele som encantador.

Samuel Rangel





Pessoas e instrumentos musicais - Parte III






Agora você vai para a casa, feliz com o novo violão, mas não consegue tirar da cabeça o som daquele piano. E ao chegar em casa, lá vai o velho violão para a parede, feito foto de família que conta parte da sua história. Mas o novo violão vem direto ao seu colo. E você começa então a se adaptar às cordas mais leves, ao som mais doce. Seu colo fica feliz com a nova aquisição.

O tempo passará e você e seu violão farão maravilhas juntos. Você então entra em uma nova fase de crescimento. O novo instrumento não tem limites. Permite a você novas interpretações. Sua mãos vão ficando mais rápidas e mais sensíveis. Que fase maravilhosa você está. E assim seguem os dias. Até que um belo dia sua mão fica mais veloz que o violão. Você desempenha e o som não sai. Você faz mas não tem resposta. Você é mais, mas parece menos. Novamente você tem limites que não são seus.

O que fazer nessa hora?

Normalente você tentará reformar o violão antigo. Estranhamente aquele violão que estava abandonado na parede recebe sua atenção novamente. Todo o carinho que você tinha retorna de cinzas antigas. Mas ele ainda terá alguns limites. E você já olha o seu violão atual sem nenhum carinho. Existem pessoas nessa fase que emprestam seu violão, e costumam pedir emprestado dos outros também. Mas é um péssimo negócio, pois intimidade é fundamental para essa parceria. A mesma intimidade que surgiu da alegria com o instrumento que era novo. Agora você sabe que sua satisfação era proporcional aos seus limites. E agora?

Então você volta à loja, e em simples dez minutos você descobre que não tem um violão que te satisfaça. Uma irritação surge em você, e de certa forma você passará um tempo afastado da música. A insatisfação tornará seus dias sem qualquer nota ou melodia.

Você tentará buscar inspiração em outros lugares, mas a música não tem substituto.

E você descobrirá que o violão não te satisfaz por não ter os recursos do piano.

O erro foi ter escolhido o primeiro instrumento que estava ao teu alcance.

Samuel Rangel





Pessoas e instrumentos musicais - Parte IV






Pois é.

Momento de escolha. Quanta responsabilidade ter que decidir algo hoje para nos acompanhar até o amanhã? Dizem que pessoas não mudam, mas embora a madeira mantenha-se parcialmente intacta, a alma cresce, e os limites vão diminuindo. Com limites menores o horizonte é maior. E mesmo a madeira, essa parte sólida que acomoda a alma, por não ser tão sólida assim ela apresenta sinais de cansaço. A tensão das cordas não é a mesma. Existe um certo desgaste que precisa ser aceito como natural. Então não há solução. A escolha depende de sorte?

Não.O instrumento precisa de cuidados, de uma atenção especial, de acordo com sua natureza.

Além disso que é necessário entender é que o tempo passa de forma implacável, e só há uma coisa que perpetuará o relacionamento entre o músico e o instrumento: A MÚSICA. Por mais que o instrumento esteja cansado, e suas mãos sejam mais rápidas do que as cordas do violão, um dia suas mãos ficarão mais lentas. Mas a música não acaba aí. Notas rápidas? Você começará a entender que quanto melhor for colocada a nota, mais tempo ela poderá permanecer na partitura.

É necessário que o seu crescimento não se resuma à agilidade, pois um dia você fatalmente a perderá. É necessário algo mais profundo. A música na relação entre o instrumento e o músico, esta como o amor na relação da pessoa com a vida.

E o que é amor? Onde encontrar? Como identificá-lo?

Não há um só conselho sábio que se possa dar nesse sentido, pois como os instrumentos e os músicos, cada um tem suas próprias características, seu conceitos, qualidades e defeitos que o tornam único. E se único é, como buscar em um sábio algum conselho? Se ele for realmente sábio, o silêncio será a resposta.

Apenas não esqueça da música. Aceite os tons menores como compassos de tristeza. Alegre-se nos tons maiores quando eles surgirem em meio à melodia. Saiba que dissonantes são úteis. As sétimas preparam, mas toda música um dia chega ao fim.

A benção é simples. Ao final... que tenha sido uma bela música.

Samuel Rangel






Pessoas e instrumentos musicais - Agora um pouco de Humor






Ok. Então sem diferenciar homens de mulheres para não realimentar a detestável guerra dos sexos, podemos definir...

TIPO DE HOMENS E MULHERES:

Piano: São clássicos e completos em recursos. Por isso se adaptam muito bem ao novo. São lindos e sólidos. Chamam muito a atenção, mas jamais vão acompanhar você em todos os lugares;

Violão: São populares e companheiros. Têm uma certa simplicidade. O que os torna atraentes é a companhia, isso na medida em que sabe ou não tocar. Ele dependerá de você para agradar;

Sax: São brilhantes e chamam demais a atenção. Mas dependendo da sua embocadura poderão desafinar feio. E um sax desafinando é o segundo pior instrumento que se pode ouvir. Mas afinado sua sensualidade chama a anteção, quem sabe mais do que você queira.

Violino: Chamam a atenção pela sua fragilidade, que não combina com a grandiosidade do som que emitem. Como não são temperados exigem uma cordenação dupla. A mão esquerda precisa saber que como o tom não é exato, terá que ser flexível e variar em um sensível trêmulo. Já a mão direita, que coordena o arco (Não é vara não engraçadinho), terá que ser firme o suficiente para manter o atrito das cordas. Exatamente. É um instrumento que precisa de atrito. E quando desafina, Meus Deus!!! É o som mais irritante no atrito.

Tuba: Ao escolher a tuba você sabe que não vai tocar em banda de rock, mas no lugar certo e na hora certa, ela faz uma bela base.

Gaita de Boca: São companheiros incríveis. Onde você estiver, basta você meter a mão no bolso e lá está ela. O único defeito é que só, ela dificilmente ultrapassará os limites melancólicos do Blues.

Cello: Lindo, profundo e culto, mas é ruim de carregar e é o mestre da melancolia. Você jamais irá a um Pagode acompanhado de uma Cello.

Surdo: Esse sim. Não exige muito de você, apenas que acompanhe o rítmo da música. Exatamente por isso o surdo tem um recurso interessante. Se perdeu? Não sabe o que fazer? Meta a mão que o resto da banda vem atrás.

Um abraço a todos

Samuel Rangel



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